Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

ortodoxo se não nos damos conta desses dados de partida. Vamos então explorar a hipótese de que há uma ligação intrínseca entre “tradição gramatical” e tradição religiosa na Europa medieval.
A escrita de gramáticas, com efeito, não é arte pela arte. Suas motivações subjacentes são sempre historicamente situadas. Ocupa-se de gramática para resolver outros problemas sem por vezes o dizer, ou sem se dar conta: buscar um método para chegar de modo seguro à verdade, para falar corretamente ou com eloqüência, para garantir uma interpretação fiel da palavra de Deus, para construir uma língua nacional, portanto uma identidade coletiva, para legitimar um poder político sobre um determinado território...
Se, em linhas gerais, para os teóricos da Idade Média nos países católicos, a gramática tem por fim (no sentido de finalidade) a construção da oratio perfecta (frase completa, cf. STEFANINI, 1994: 36), a atividade gramatical no mundo eslavo ortodoxo tende antes de tudo a justificar a dignidade da língua eslava aos olhos dos Gregos. É que o papel da língua sagrada na “Eslávia ortodoxa” era muito diferente daquele do latim na “Eslávia romana”[11].
 
EMPRÉSTIMO, ADAPTAÇÃO, REJEIÇÃO, IMITAÇÃO
 
Cirilo e Metódio: Uma Quarta Língua Sagrada na Europa ou uma Outra Terceira?
 
“É em grego que fomos batizados, mas a língua que recebemos é o búlgaro. O que poderia nos trazer a língua de um povo privado de tradições culturais, de literatura, de história? Os irmãos de Salônica desempenharam para a Rússia um papel fatal... O que teria se passado se tivéssemos recebido o cristianismo em grego, como o Ocidente em latim? Bizâncio não resistiu à pressão do Oriente selvagem, e fez chegar no Ocidente a herança de seus tesouros, enquanto somente nos deixava sucedâneos de produção local, inventados em uma época de degenerescência moral e intelectual” (G. SPET, 1992 [1989: 28-29]).
 
Lembremos brevemente que em 863 dois irmãos, Cirilo e Método, membros da aristocracia intelectual grega de Salônica, são chamados pelo Imperador de Bizâncio Miguel III a empreender uma missão de evangelização junto aos eslavos da Europa


[11] A terminologia “Eslávia romana”/“Eslávia ortodoxa” se deve aos trabalhos de R. Picchio e de seus colaboradores, que foram uma fonte de informação essencial para o presente trabalho. Cf. PICCHIO, 1972; PICCHIO & GOLDBLATT, 1984.