Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

gramatical grega" (aquela de Dionísio da Trácia) que é fonte de inspiração do que a atitude reservada à Igreja Ortodoxa em relação à própria reflexão gramatical”.
            É a situação espacial de contato (com o Ocidente latino) e a situação temporal de controvérsia com os partidários da Contra-Reforma que mais contribuiu para fazer dos países rutenos o berço do pensamento gramatical russo no século XVII, sustentado inteiramente sobre o modelo greco-latino de importação ocidental.
            A gramática de Smotrickij, de 1619, é uma resposta direta e explícita às acusações de Skarga. O autor tenta fornecer ao eslavo o mesmo tipo de normas gramaticais que apresentam as línguas clássicas:
 
“Todos os benefícios que as gramáticas do grego e do latim trazem normalmente, a gramática eslava é incontestavelmente capaz de trazer à sua língua eslava” (SMOTRICKIJ, 2000: 133).
 
            Todo o prefácio se baseia na argumentação de que o grego, o latim e o eslavo possuem uma norma gramatical estável, diferentemente do ruteno e do polonês que são línguas a utilizar na interpretação e na explicação da escritura, para o uso dos não-letrados. O objetivo de Smotrickij é apresentar um corpo de regras que permita “ler em eslavo e compreender o que se lê”. Então, diferentemente, por exemplo, do Donato francês (1531), não se trata de uma gramática de vernáculo, mas de uma língua livresca, sagrada, já de difícil compreensão e com um certo grau de hibridação com o uso falado. Esta gramática não é então comparável nem com uma gramática do latim no Ocidente nem com uma gramática de uma língua vulgar.
            A situação se complica ainda mais na medida em que a língua descrita por Smotrickij está longe de ser o eslavo autêntico: ao lado de formas antigas encontram-se formas tardias, influenciadas pelo polonês e pelo ruteno, assim como formas puramente inventadas. De fato, trata-se de uma língua tão artificial e morta que se podem introduzir nela elementos não atestados sem que ninguém comente ou perceba.  
 
Heresias e língua: qual o objeto de conhecimento da gramática?
           
            Nas três grandes “religiões do livro”, a escrita se opõe à fala, que é “fluida”, “variável”, “instável”. Contudo, muitas controvérsias religiosas da Renascença têm a ver com uma relação nova com respeito de um lado à oralidade e de outro à gramática.