Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

- então, a tradição grega é reivindicada ao mesmo tempo como fonte do mesmo (no Oeste) e prova do diferente (no Leste).
Como o diferente pode ter origem no mesmo, reivindicar a mesma origem, sem que o ponto de ruptura possa ser claramente assinalado? Se a Grécia está no Ocidente para os ocidentais, mas no Oriente para os russos, deve haver em algum lugar um grande mal-entendido, que tem a ver com a interpretação do mundo bizantino, ao mesmo tempo em continuidade e em ruptura com a Grécia antiga.
Os paradoxos lógicos são freqüentemente índices de que uma questão é colocada em termos que lhe bloqueiam qualquer solução. É por isso que propomos aqui uma pesquisa sobre a distinção entre o mesmo e o diferente, começando por desconstruir a noção muitas vezes não questionada de “tradição”, que pode funcionar como obstáculo epistemológico para pensar o objeto de pesquisa. Será que veremos então de um modo diferente o pensamento gramatical desse “mundo ocidental”, esse “saber ocidental” de que fala M. Foucault (1966: 262-263) sem jamais apresentar uma definição dele, construindo no vazio, implicitamente, um “mundo oriental” não nomeado, cuja existência deve ser pressuposta enquanto ponto de contraste?
O “Ocidente” é o grande impensado das histórias da lingüística “ocidental”. O mesmo ocorre com a noção de Europa.
 
A NOÇÃO DE TRADIÇÃO É UTILIZÁVEL NA HISTÓRIA DAS IDÉIAS LINGÜÍSTICAS?
 
Decidamos não tomar a noção de “tradição” como um ponto de partida, dado de antemão, mas como uma noção a “trabalhar”, ponto de chegada de uma pesquisa, sem atribuir muita confiança ao poder exorbitante das expressões definidas (“a tradição X ou Y).
É pouco provável com efeito que venha à mente de alguém falar em “tradição” a propósito de física nuclear ou de biologia molecular. A noção de “tradição” é geralmente apresentada nos dicionários e enciclopédias como associada aos dogmas religiosos, ao folclore, mas, ao que parece, jamais à ciência. Essa lacuna é tão curiosa que não faltam exemplos de utilização dessa palavra na história da lingüística para falar de “tradição lingüística” chinesa, árabe, hindu, às vezes até mesmo “ocidental”. Notemos de passagem que a expressão “lingüística tradicional” é pejorativa, enquanto que “tradição lingüística” não o é.