Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

é isso. É que a noção de tradição gramatical só é útil ad hoc, no momento em que se tem necessidade dela.
                A partir do momento em que nós nos afastamos do núcleo canônico de textos que constituem um corpus fechado de um conjunto “grego-latino” da Idade clássica e depois medieval, todo o resto, e principalmente a noção de “tradição ocidental”, se torna informe, pois suas fronteiras orientais são indetermináveis. As tradições gramaticais não são objetos nomeáveis, distintos, mas transformações perpétuas de textos, de idéias, de representações, de metas, de propostas diferentes.
                Do mesmo modo que identidade e diferença, ruptura e continuidade não são grandezas discretas, mas os elementos de uma mesma complexidade. Encontramo-nos diante de um movimento pendular entre abertura e fechamento às idéias que vêm do Oeste (considerado como o Outro absoluto, aquele do qual se quer se separar estando ao mesmo tempo constantemente fascinado por ele), entre orientação inovadora e conservadora.
                O que se apresenta freqüentemente como uma diferença espacial Leste/Oeste (ortodoxo/católico) é na realidade uma ruptura ideológica. A diferença não é entre tradição grega e latina, mas entre uma atitude com respeito à língua fundamentada na razão e uma outra, na fé, entre a gramática como estabilização do TEXTO (a repetir, pela recitação e aprendizagem de cor) e a gramática como MODELO de produção do novo (cf. USPENSKIJ, 1994: 16).
                De fato, o tempo comum conta mais que o espaço separado, mesmo se ele apresenta discrepâncias. A gramática é um campo particularmente rico, embora ainda pouco explorado, desses conflitos de idéias que se seguem, se transformam, se dilaceram e se reinterpretam constantemente. Os pares de oposição mundo antigo/ mundo cristão, mundo romano/mundo grego, racionalismo/fidéisme; língua sagrada/ língua vulgar não coincidem, mas eles têm em comum o fato de sobredeterminar a escrita dos tratados gramaticais.
                Um grande trabalho resta a fazer para chegar a um quadro de análise que permita mostrar o implícito ideológico das gramáticas da Idade Média nos países eslavos. O metadiscurso gramatical foi aqui algo revelador.