Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

nessa alternativa: para ele como para todos os pensadores hesicastas, o respeito à letra é a garantia da fidelidade ao dogma. O verdadeiro não se deduz por um julgamento bem construído, nem a gramaticalidade pela conformidade às regras. É a aparência material da escrita que garante o pertencimento de um enunciado a um cânone do dogma. Em suma, trata-se de um prolongamento do primeiro início da gramática na Grécia: seu objeto é a escrita, enquanto seqüência de letras. Mas a análise dos constituintes da proposição e mesmo a das partes do discurso é relegada diante do respeito à própria letra. Nessa ideologia lingüístico-teológica, o que tinha sido na época de Cirilo e Metódio a reivindicação pentecostal do uso do vernáculo como língua sagrada torna-se agora afirmação de que só uma língua escrita totalmente fixada e imóvel pode levar à via da Saúde. A língua sagrada está prestes a se tornar uma língua morta.
As idéias de Kostenecski chegam à Rússia e se mantêm como pano de fundo das controvérsias teológicas que tomam a gramática e a língua como objetos, a tal ponto que em 1748 ainda, na Rússia, um autor como V. Trediakovskij sentia a necessidade de lembrar que a ortografia era somente um aspecto secundário da gramática e não se ligava com a teologia.
 
Tradução de Gramáticas e Tradição Gramatical
 
O pensamento sobre a língua na Europa Oriental não se resume ao ardente apego hesicasta a uma semiótica do signo visual imutável, porque aí também uma intensa atividade gramatical se desenvolveu.
O fato de que para Aristóteles só haja a ciência do geral determina o estatuto da gramática na Idade Média na Europa Católica nos séculos XII e XIII: distingue-se a ciência dos nomes (submetida, em virtude do arbitrário do signo, à fantasia e ao irracional) da ciência das regras que é em todo lugar aproximadamente a mesma (paene idem apud Omnes: cf. STEFANINI, 1994: 37). A tradução de gramáticas, que a nossos olhos pós-estruturalistas pode parecer um puro nonsense, era na Idade Média um empreendimento perfeitamente natural. Assim, Roger Bacon podia declarar que a gramática é uma só e a mesma para todas as línguas e que as diferenças de superfície entre elas são apenas variações puramente acidentais: “Grammatica una et eadem est secundurum substantiàm in omnibus linguis, licet accedentaliter varietur” (citado por ROBINS, 1976: 81). É por isso que as primeiras gramáticas dos vernáculos na Europa Católica são adaptações dos modelos latinos (Donato, Prisciano), os quais por sua vez