Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

A “língua rutena”, quer se tratasse da variante escrita do vernáculo eslavo-oriental, antepassado do ucraniano e do bielo-russo atuais, quer do eslavo ruteno, era atacada de vários lados por razões diferentes.
Do lado lituano, de início, os letrados, insistindo nas semelhanças entre o latim e o lituano, tentam estabelecer um lugar na política de latinização (cf. DINI, 1999: 23), destinada a combater a influência do “ruski”, quer dizer do ruteno escrito (cf. MARTIL, 1937: 51-54). Esta língua era considerada como “bárbara”, pois era 1) a língua do inimigo hereditário, a saber, os “moscovitas”[19], 2) “privada de normas gramaticais”, o que impede, por exemplo, uma interpretação unívoca dos textos de lei (texto de 1615, citado por DINI, 1999: 27).
            Do lado polonês, é mais a dignitas religiosa do ruteno ou do eslavo ruteno que está em causa. Um momento importante da controvérsia é o tratado polêmico do jesuíta polonês Pierre Skarga De l'Unité de l'Eglise de Dieu sous un seul pasteur et de l'apostalie grecque de cette unité[20] (Vilma, 1577), dirigido explicitamente contra o eslavo enquanto língua culta. Se esta língua é inapta a veicular a fala divina, é também porque ela é privada de normas gramaticais e lexicais estáveis e definitivas. Apenas o latim (e, teoricamente, o grego) são aptos a essa tarefa, por causa precisamente de sua elaboração em forma de gramática, que impede qualquer variação, logo qualquer desvio dogmático. O ruteno assim como o polonês, em contrapartida, devem ser reservados ao uso apostólico, quer dizer, à língua da pregação, destinada aos fiéis. É por essa razão que P. Skarga era muito hostil à idéia de traduzir a Bíblia tanto na língua vulgar quanto em eslavo, por mais "eclesiástico" que ele fosse.     
            A acusação de Skarga sobre a falta de dignitas do eslavo por ausência de normas gramaticais e retóricas suscita dois tipos diferentes de resposta por parte dos rutenos ortodoxos.
            1) Para Ivan Vysens'kyj (1550-1620), monge ruteno do Monte Atos, o eslavo é “mais honroso diante de Deus do que o grego e o latim”, precisamente porque ele não possui os “enganos pagãos” que são a gramática e a retórica. Para ele, é a origem sagrada do eslavo que estabelece sua dignitas.
 
“Se o diabo conduz uma tal luta contra a língua eslava é porque ela [...] conduz a Deus pela leitura simples e estudiosa, sem armadilhas e


[19]Os polemistas lituanos fazem freqüentemente o amálgama entre o idioma Ruthenum e literae moscoviticae.
[20] Da unidade da Igreja de Deus sob um único pastor e da apostasia grega dessa unidade.