Revista Rua


A que Tradição Pertence a Tradição Gramatical Russa
(To what tradition does the Russian grammatical tradition belong?)

Patrick Seriot

AS FRONTEIRAS ORIENTAIS DA TRADIÇÃO OCIDENTAL
 
Como em A carta roubada de Edgar Poe, um objeto é tão menos visível quanto mais ele é apresentado ao olhar de todos.
Assim ocorre com a surpreendente noção de “tradição gramatical russa”. Com efeito, quando se olha do “Oeste”, parece evidente que a “lingüística ocidental” (Western linguistics) encontra sua origem na tradição greco-latina, esta mesma constituindo um todo relativamente homogêneo (Auroux[3], Desbordes[4]) a partir de uma fonte grega inicial (Benveniste[5], Law[6]). Somente alguns raros trabalhos tentam colocar em evidência uma diferença entre a Grécia e o mundo romano no domínio dos estudos gramaticais[7].
Visto “do Leste”, no entanto, o quadro é bem diferente. Muitos lingüistas russos afirmam e ensinam que a “tradição russa”, que representa uma cultura que não está nem na Europa nem no Ocidente, remonta à tradição grega, a qual é apresentada como em oposição radical à tradição latina. Assim, para V. Kolesov (1991: 224), a tradição gramatical latina é fundamentalmente diferente da tradição grega, ela suscita relações “hostis” na Rússia, as duas tradições estão “em conflito” por causa, principalmente, da questão do uniatismo.
O paradoxo lógico pode então ser expresso do seguinte modo:
- para uns, a tradição ocidental prolonga a tradição greco-latina;
- ora, para outros, a tradição russa, diferente da tradição ocidental, remonta à tradição grega, que está em oposição radical com a tradição latina;


[3] “…a gramatização maciça, a partir de uma só tradição lingüística inicial (a tradição greco-latina)” (Auroux, 1992:11, tradução nossa).
[4] “Pode-se verificar (nesse corpus de textos) a unidade da tradição greco-latina” (DESBORDES, 1989: 150, tradução nossa).
[5] “Todos sabem que a lingüística ocidental nasce na filosofia grega. Tudo proclama essa filiação. A nossa terminologia lingüística se compõe em grande parte de termos gregos adotados diretamente ou na sua tradução latina” (BENVENISTE, 1988: 20)
[6] “Without the Greeks of the Fifth and Fourth Centuries BC Western civilisation as we know it today would be unimaginable. […] in the space of three generations a small group of people could set the agenda for much of the subsequent intellectual history of the West, and of Western linguistics in particular” (LAW, 2003: 13).
[7] Passando da Grécia a Roma, entramos em um mundo muito diferente. Fala-se com razão da época greco-romana como de um período de civilização unificada, mas os papéis respectivos da Grécia e de Roma foram divergentes e complementares” (ROBINS, 1976: 48, tradução nossa).