Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

 

Segurança e Disciplina
A confiança e a confiabilidade, como construções analíticas, neste trabalho, só podem ser pensadas com a categoria de lealdade. Esta, por sua vez, parece requerer as noções de disciplina e segurança como pré-requisito de análise. O grupo aqui denominado os Deltas baseia sua constituição em um código moral onde a confiança depositada um no outro e de todos no grupo é fundamental para a existência do grupo, como também é imprescindível para a conformação do caráter individual de um membro, de um Delta.
É na troca de confiança e na ação de confiabilidade que se permite a construção coletiva do sentimento grupal. De onde é possível compreender os laços de familiaridade e de semelhança entre os membros, bem como as marcas de individualidade de cada um, pelo sentimento de pertença. O que faz cada membro ser um ser diferente pela subsunção ao todo. O caráter moral identifica o semelhante pela familiaridade confiada aos membros do coletivo e ao mesmo tempo os diferencia como sujeito no mundo nas trocas necessárias com outros grupos e a sociedade em geral. A identificação e a identidade grupal permitem ao membro adquirir uma autoconfiança pela confiabilidade nele depositada pelos outros e para os outros do grupo. O que parece instituir a cada membro o direito da existência singular e da fala, de sua visibilidade pela diferenciação através da sua submissão ao coletivo grupal.
O sentido atribuído pelo caráter moral, por outro lado, permite e oferece segurança a cada membro individual e à prática grupal pela disposição da lealdade entre os membros para com cada um e para com o todo, e parece levar a uma admoestação constante de cada membro singular e de todos os membros para as práticas articuladas isoladamente ou em conjunto por cada um deles. Parece pairar no ar uma contínua advertência sobre como se comportar, como se portar, o que se pode dizer e o que se pode calar.
Gestos, atitudes, expressões, ações ou reações são assim constantemente testados, sem precisar haver um dispositivo específico para tal. Os dispositivos disciplinares existem sim, como se viu mais acima, mas para caso comprovado de suspeição ou flagrante. O que leva para atitudes extremas de isolamento e sensação de invisibilidade do suspeito através do caldo e do gelo. O que se está falando aqui, porém, diz respeito às introjeções individuais sobre como ser um Delta, onde as ações de cada um são movidas pela presença constante de um forte sentimento de vergonha[10], do medo de cometer atos que venham a ser considerados não condizentes com a prática grupal.
Vergonha é um sentimento socialmente expresso que implica um compartilhamento da emoção com todo um complexo grupal e sua rede relacional. Sentir-se um indivíduo com vergonha tem o significado de ser alguém de crédito, alguém a quem se pode confiar e ser considerado leal. Os conceitos de fidelidade e confiança permitem um plexo de segurança e conformidade individual assegurada pela vergonha como elemento constitutivo do caráter. Caráter individual este coadunado com o caráter moral do grupo.


[10] Para um aprofundamento sobre a emoção vergonha, ver, entre outros, Elias (1990 e 1993), Harkot-de-la-Taille (1999), Koury (2003).