Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

outro. O confiar no outro e nas próprias ações parecem evocar, deste modo, um sentido de troca ou uma espécie de sinônimo da categoria lealdade.
Um ato de reciprocidade identifica o semelhante pela familiaridade confiada aos membros do coletivo e ao mesmo tempo os diferencia como sujeito no mundo nas trocas necessárias com outros grupos e a sociedade em geral. Os conceitos de fidelidade e confiança, assim, no grupo Delta, parecem permitir a fundação de uma rede complexa de reciprocidade, no sentido dado por Mauss (1974) ao termo, que assegura a segurança e a conformidade individual através da emoção vergonha. Conceito encarado, no e pelo grupo, como elemento constitutivo do caráter. Caráter este individual e coadunado com o caráter moral do grupo.
O orgulho de ser um membro Delta parece ser orientado, portanto, por um controle social estabelecido pelo grupo e um controle individual sobre cada ação pessoal, seja em relação ao próprio sujeito da ação, ou sobre as ações dirigidas aos membros individuais do grupo, ou ao grupo como um todo. Esta ação disciplinar seguida pelo indivíduo relacional com relação a si mesmo e exigida para todos no grupo parece equivaler, entre os Deltas, a uma forma de reconhecimento individual no grupo e de auto-reconhecimento como pessoa singular a partir do grupo.
O controle social grupal e o autocontrole parecem sugerir um tipo de racionalidade de ações, onde a emoção é regrada através do sentido a ela atribuído pela pessoa que a pratica e aquele ou aqueles que a ela reagem. O reconhecimento do outro se transforma, portanto, em uma relação delicada porque sujeita a interpretações e expectativas várias da ação ou da intenção pelo outro da relação ou do próprio sujeito da ação. Proporciona, ao mesmo tempo, um aumento da autodisciplina e um aumento dos mecanismos de segurança individual e grupal como forma de defesa daquele que impulsiona a ação e do outro, alvo da ação. Relação sempre tensa porque movimentada por sentimentos de não correspondência de suas ações ao buscado e erigido pelo grupo, visto como uma espécie de ação ideal ou modelar.
O receio de errar ou não ser bem interpretado pelo outro da relação provoca um movimento de aprimoramento das ações e um crescimento do exercício crítico sobre o outro e sobre si mesmo. Uma espécie de disputa silenciosa parece então ocorrer. Cada membro busca se guiar por essas ações modelo. Ações, por sua vez, que se tornam motivo de orgulho para o grupo em geral e são contadas e exteriorizadas por todos como afirmação do ser Delta. Idéias de sacrifício pessoal, de enobrecimento do outro, da autodisciplina e rigor disciplinar são relatadas, nos vários depoimentos recolhidos, como querendo indicar o sentido de pertença ao grupo e o caráter nobre desta pertença.
A exigência de um disciplinamento pessoal e a exigência disciplinar mais acurada nas ações Delta parecem então ganhar definição, e são sentidas, através de um mecanismo complicado que estabelece diversas pontuações às ações-modelo, e permitem uma acumulação de poder a membros individuais ou a facções internas. Membros específicos parecem adquirir um poder sobre os outros pelo conjunto de ações-modelo que praticam, quebrando o conceito de igualdade que paira entre os Deltas e levando o grupo a uma conceituação ambivalente de hierarquia no seu interior.