Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

seguros, usam membros que consideram com mais poder de persuasão no interior do grupo para intermediação de interações consideradas por eles mais delicadas e comprometedoras.
É o que apresenta, embora de forma não inteiramente explícita, o depoimento de uma jovem[1] que se encontra a menos de um ano entre os Deltas. Segundo ela,
“... fui tomada pelo encantamento das coisas Delta desde o dia em que Mingaume pôs a par do grupo e de que eu fui me aproximando e coisa e tal e me encontrei fazendo parte. Eu tenho muito medo de errar, de não ser inteiramente fiel ao grupo, embora tente imensamente. Vivo em constante sobressalto toda vez que tenho que participar de um encontro com outros membros que eu não sou vamos dizer assim, chegada. Mesmo entre os meus, isso é, entre as pessoas com quem ando mais e tenho mais afinidades, eu me balanço todinha toda vez que tenho que falar ou dizer algo. Só digo quando não tem jeito, e mesmo assim me cagando pra não dizer bobagem ou magoar ninguém. Ainda bem que tem o Pensão que não deixa eu falar bobagem. Com ele eu me abro nessas coisas e ele diz que é assim mesmo e que ele não deixará que eu escorregue na maionese... Ele é um cara legal. Confio nele pra caraca e posso dizer que mais nele do que em mim, e às vezes, Deus me perdoe, ele é o meu grupo. É por ele e nele que me dedico ao todo com um amor maior do que minha pessoa tão pequena. Acho que com o tempo eu circularei melhor, mas por enquanto é bom demais. É bom ter gente que confia na gente e a gente pode confiar em troca. Pensão, Mingau, e uma turma enorme me abrem o jogo e me protegem de mim mesma e das agressões das besteiras que faço e os outros vez por outra tentam me reprimir...”.
 
Os intermediadores, em troca de uma situação nunca explícita de angariar mais poder junto ao grupo maior, servem como figuras protetoras e se prontificam a conduzir determinadas interações, ou melhor, situar um ou outro membro em situação de vergonha ou insegurança no grupo, em troca de uma maior lealdade à sua pessoa. Estabelece-se, deste modo, entre o grupo dos Deltas, uma situação estranha de estratificação social dentro de um discurso de iguais. O que introduz uma ambigüidade nas relações sociais internas e parece originar tipos de participação não legitimada no discurso oficial do grupo, mas que, ao mesmo tempo, fortalece o grupo e o legitima, por abrir espaços de atuação, para uma gama maior de situações individuais em relação ao padrão de confiança e confiabilidade do grupo como um todo.
               A questão de segurança apesar de ser um assunto que diz respeito a todos do grupo, é repassada entre os Deltas por um sistema complicado de proteções e intermediações. Os protetores e intermediadores executando o papel, não declarado, de dar segurança aos mais inseguros, permitindo a sua participação no grupo através deles e, ao mesmo tempo, permitindo uma maior segurança ao grupo


[1] Entrevista realizada em maio de 2002, com uma jovem de vinte anos de idade, com o ensino médio recém-concluído e que se preparava para fazer vestibular para um curso na área de ciências da natureza. Solteira, tímida, mora com os pais e trabalha em um consultório médico como recepcionista.