Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

Segurança e Lealdade
A segurança é uma categoria analítica associada à confiança. Nela se configura uma condição sobre o outro, ou sobre aquele ou aquilo a que se pode confiar. O que parece permitir um grau elevado de certeza sobre a conduta dos outros em relação, de convicção naquilo ou naquele com quem se relaciona e de firmeza sobre a ação dos outros e do próprio indivíduo sobre as possibilidades e extensão das respostas ao problema da confiabilidade e da confiança individual e grupal. É também um ato de afirmação.
O sentimento de segurança parece conter um espírito de corpo que leva os indivíduos envolvidos a se relacionarem entre si como pessoas que depositam nos outros relacionais e em si mesmas uma crença de irmandade e familiaridade onde ou de onde é possível perceber o mundo. Irmandade ou familiaridade afirmativa como códigos de conduta onde o estar seguro e ter segurança na lealdade e confiabilidade do outro da troca são socialmente satisfeitas.
Estar em segurança, então, é se encontrar convicto, seguro ou certo da resposta do outro. É confiar no outro e nas próprias ações como troca ou sinônimo de lealdade. Lealdade é uma qualidade, ação ou procedimento de ser leal. De ser fiel e depositário de fidelidade. O que, por sua vez, está associado à honra[5] e a conceitos como honestidade, sinceridade, franqueza e pureza de sentimentos.
Ser leal neste sentido é ser digno e honrado. É uma qualidade que encaminha o sujeito que a retém, procura ou deposita em alguém para uma conduta de compromisso grupal ou com o outro da relação. É um elo de reciprocidade. Uma espera de ser merecedor ou encontrar alguém que mereça e mantenha a consideração geral pela ação ou conjuntos de ações confiáveis. Fazer parte dos Deltas é, desse modo, ser fiel aos princípios morais do grupo e encontrar lealdade com e nos outros.
 
“Uma vez me puseram à prova por uma besteira que circulou pelo grupo de que eu não era inteiramente fiel, disseram confiável, ao grupo. Me deram um caldo[6] pra eu nunca mais esquecer. Eu tava entrando no grupo fazia uns poucos meses e me encontrava deslumbrado; só via o grupo, só me entendia pelo grupo, só fazia o que o grupo queria e coisa e tal. Mas, numa festa, eu dei pra comentar com uma menina, que não era propriamente do grupo, mas que andava com a gente, sobre o interesse de um camarada por ela e coisa e tal. Passei a noite conversando com ela sobre isso, na melhor das intenções de promover o camarada pra ela. Ninguém disse nada, ninguém deu um toque pra mim de que eu estava agindo errado, o camarada tava lá, eu mesmo chamei ele várias vezes pra ele se aproximar da menina, e ele tirava de fininho e coisa e tal. No outro dia me deram um gelo, ninguém falava comigo, eu me aproximava e os camaradas iam aos poucos saindo, ou se não saíam me ignoravam...


[5] Para o sentimento de honra, ver a excelente coletânea de Peristiany (1968) e nela, com destaque, o livro de Bourdieu (1968). Olhar também, para uma visão mais aproximativa da realidade brasileira, o interessante livro de Souza (2000).
[6] Caldo é um termo usado pelo grupo e seus membros para designar uma atitude disciplinar de distanciamento e rejeição por parte dos membros daquele que não honrou os compromissos Delta. Uma forma de punição ou teste que pode ser administrada de uma simples advertência - um ou dois dias sem falar e literalmente ignorar o outro, alvo da ação disciplinar, também chamada de dar um gelo - até o rompimento definitivo dos laços.