Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

como um todo através da palavra de confiabilidade nos seus protegidos e de confiança aos ideais dos Deltas.
Processo, sem dúvida, às vezes, confuso e sujeito a dissensões, medos e receios. Em um ambiente de iguais situam-se várias facções movimentadas por protetores e protegidos. Facções estas, por seu turno, também entrecortadas por esquemas de intermediação entre os diversos subsetores que parecem se formar entre o líder e o mais inseguro ou recém-entrado no grupo dos Deltas. Cada um dos níveis de intermediação submetendo o outro mais frágil a um conjunto de lealdades e confiança em si, como forma de intermediação daquele para os outros níveis hierárquicos de configuração do poder interno formado, conhecido, mas ocultado e deslegitimado quando por ele perguntado explicitamente.
Foi o que aconteceu quando foi perguntado a um dos líderes[20], ou em situação de liderança, indicado por vários membros, o que o fazia ser líder. Ele olhou o entrevistador sério e respondeu: “... aqui não há liderança nem líderes. Todos somos iguais. A confiança é estabelecida para todos, todos gozam dela e participam do mesmo modo na construção Delta da pessoa e do mundo. Somos iguais e isso é que nos faz importantes e nos dá dignidade de enfrentar o mundo fora da nossa comunidade”. Com a insistência sobre a afirmação dele como um líder Delta, indicado por vários outros membros entrevistados, afirmou: “Não é que eu seja líder. Como já disse, aqui não há líder nem liderança, nem liderados, aqui somos todos um só com a mesma repercussão e vivência na comunidade. Mas o que os camaradas quiseram dizer, talvez, tenha sido que eu não deixo outros aqui dentro pisar nos nossos, eu defendo cada Deltacomo se fosse eu mesmo. Aí essa história de líder... é não, é brincadeira da turma... mas tenho certeza de que o que eu faço é pelo espírito Delta, e sei que cada um deles, cada Delta faria o mesmo por mim”.
O trânsito entre os diversos subsetores formados, como uma espécie de níveis hierárquicos de intermediação, parece, assim, configurar-se como um exercício de tensão e medo cotidiano de explicitação, e em um aumento da discrição. Cada ato é medido, premeditado e avaliado por quem o executou e por todos os demais membros do grupo. Uma cobrança exacerbada, sobre cada processo desencadeado pelo ato de alguém ou de um grupo, parece haver e serve, de forma simultânea, para um melhor avivamento do grupo. Como também dá margem para lutas surdas pelas determinações, melhor dizendo, para cada uma delas, tomadas pelo grupo, ou movidas pela ação de um dos membros ou facções para o grupo como um todo.
                 Simmel (1964a) discute o significado do segredo no processo de individualidade e sociabilidade. Apresenta uma relação sempre tensa entre os indivíduos, onde a discrição é um elemento importante na configuração de uma formação social. Os indivíduos em relação parecem compor uma forma social pela posse, ou que venha a assegurar a posse, de um segredo comum e que, após a sua composição, as interações envolvidas estendem-se por laços que visam, de um lado,


[20] Entrevista realizada em maio de 2002, com um rapaz de 26 anos que cursa o penúltimo período de um curso superior na UFPB. É considerado um dos fundadores dos Deltas. Solteiro, mora com os pais, não trabalha e dedica todo o tempo disponível ao trabalho com o grupo Delta.