Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

os Deltas e encaminhando-os para uma conceituação confusa ou ambivalente de hierarquia no interior do próprio grupo.
Hierarquia movida pela noção de valor, conquistada nas ações-modelo praticadas, que distingue um membro de outro e que, ao mesmo tempo, parece provocar uma disputa entre lideranças oficiosas sobre o destino e as conseqüências do ser Delta, isto é, do caráter de pertencer e o complexo moral e valorativo imposto ou configurado no momento da opção Delta. Disputa que se estende por toda a comunidade Delta pelas afiliações espontâneas ou não dos diversos membros às lideranças despontadas.
Não que esta disputa seja um elemento valorizado no grupo, pelo contrário, o ideal de igualdade dos membros e a ressignificação simbólica da confiança no conjunto e em cada um como iguais é a característica de todos os depoimentos. De outra parte, porém, a presença de ações-modelo quebra a esfera de igualdade e introduz uma desigualdade entre os membros, que passam a situar-se entre um dever ser como instância coletiva e uma diversidade de sentimentos sobre as metas a atingir pessoalmente e entre que metas seguir no espaço grupal, movimentado por pontuações e modelos de ações vinculados a pessoas específicas, membro a ou b, e que de uma forma ou de outra despontam como lideranças em jogo na prática grupal. Trabalhadas, inclusive, sobre o grau de proximidade ou de afinidade dos membros individuais para com eles, e que repercute, também, nas relações destes mesmos sujeitos entre si.
Um complexo jogo de situações não declaradas parece envolver os membros como um todo e cada membro individualmente nas formas comportamentais e modelos de ação seguidos por cada um ou a serem seguidos pelo grupo como um todo. Isto pôde ser sentido nas conversas individuais tidas com diversos informantes. As aproximações com alguns sujeitos hierarquicamente em situação de liderança, pelos pontos acumulados em ações-modelo, a defesa das ações desse sujeito ou sujeitos, a busca de segui-los ou o almejar acompanhá-los como exemplos do que é ser um Delta parece provocar uma querela silenciosa com outras práticas e ações exemplares e seus executores e seguidores, prontamente negadas ou justificadas que não é bem assim, quando percebidas pelo entrevistador e chamada a atenção.
                Como no caso do depoimento de uma moça[14] que relatava a sua paixão por um membro específico do grupo e o comparou a um outro membro. Quanto notado pelo entrevistador, tentou modificar o discurso e buscar demonstrar que não é bem assim. Não existe disputa e não existe melhor entre os Deltas: todos são iguais e confiáveis, mas que “a razão de ser Delta me foi apresentada sobremaneira por Cabelinho numa vez que ele agiu sobre o preconceito de uma parte do grupo às insinuações de que uma determinada menina era de programa e os convenceu de que, mesmo se ela fosse, o grupo deveria agir no sentido de dar a ela apoio moral, de fazer com que eles eram confiáveis para ela e conseguir a confiança dela nela mesma. Isso me comoveu e me comove até hoje. Não que


[14] De 20 anos, que concedeu a primeira entrevista em abril de 2002. Solteira, estuda o terceiro ano do ensino médio em uma escola municipal do bairro em que mora. Mora com os pais e namora um dos membros dos Deltas e está se preparando para prestar vestibular no final do ano.