Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

parte, tornando-os parceiros da vida, ao mesmo tempo em que assegura um espaço de diferenciação de cada membro em relação à sociedade em geral. O indivíduo que pertence ou se sente pertencendo ao grupo, no processo de integração ao coletivo sente-se, também, como que encontrando a sua face no social. Ele se torna membro de um grupo e nessa transubstanciação parece adquirir o caráter de atribuição do sentido de individualidade pessoal, torna-se sujeito de fala e ação frente aos demais.
                 A confiabilidade, por seu turno, é uma ação de conceber ou de conceder confiança. É um ato que requer aceitação das regras ou códigos de conduta que movimentam as interações entre os diversos membros e que parecem fazer do grupo uma realidade sui generis[1], o que permite aos membros uma concepção sobre a ação de todos e de cada um no mundo ao redor, exterior, e entre os pares ou parceiros da intensa e constante interação no interior do grupo.
                 Esta concepção permitida pela confiabilidade revela-se, também, como um ato de concessão de confiança de mão dupla: de um lado, na crença de que o parceiro é confiável e requer confiança, e de outro, de se ser, ao mesmo tempo, sujeito de confiança. De permitir ao outro do grupo situá-lo nos códigos de confiança que regem e dão sentido às formas comunitárias que orientam o sentido de pertença grupal e torná-lo passível de confiança, isto é, atestar confiabilidade às suas ações e ao sujeito em si mesmo.
                A confiança e a confiabilidade, neste sentido, são conceitos dinâmicos na vida ordinária do grupo, pois remetem os seus membros diuturnamente a se mostrarem sujeitos confiáveis, a demonstrarem confiança pela e na pertença, e a concederem confiança enquanto crédito pessoal ao outro ou do outro em relação a cada um dos membros, e a cada membro em relação a si próprio. Esta dinâmica pode ser sentida, por exemplo, em diversas falas de membros, como a de um rapaz de 25 anos[2] que informa ser um sujeito de sorte por possuir e fazer parte do grupo.
                Nas suas palavras: “eu sou um sujeito de sorte, pois era um nada nessa vidinha de merda até que fui lançado pro conhecimento dos meus camaradas e fui me tornando um Delta. Aqui eu me sinto melhor do que na minha casa, os camaradas são a minha verdadeira família, confio neles tudo o que acontece comigo e sei que posso contar com eles pra qualquer parada”. Neste depoimento se pode sentir a importância do grupo na vida do informante. A descoberta e o processo de adesão parecem simbolizar uma modificação positiva na vida do sujeito individual, dando um sentido e um olhar pessoal para o mundo ao redor, para os companheiros de grupo e para si mesmo. Parece revelar ainda a crença de que no pertencer, de que no se sentir integrado a uma comunidade de interesses se encontraria o liame de sua transmutação de um nada qualquer para um sujeito de sentidos.
                Uma espécie de momento simbólico de nascimento para o mundo através do grupo e, simultaneamente, do florescimento de si mesmo como pessoa que possui um lugar no mundo, de onde fala e por onde se move. Uma espécie de lugar de visibilidade, onde, através dele, se tornasse existente


[1] Na expressão durkheimiana definidora de sociedade e formas de sociabilidade humana (Durkheim, 1996, p. XXIII).
[2] Entrevistado no início do mês do abril de 2002. O informante cursa o primeiro ano do ensino médio à noite, na escola estadual do bairro onde mora, trabalhava como entregador de pizza, foi despedido e vive de pequenos biscates como motoboy. É solteiro e mora com os pais, mas tem uma filha de dois anos e meio que mora com a mãe em uma das cidades da grande João Pessoa.