Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

“Minha relação com ser um Delta é uma relação de me saber respeitada, de me achar que faço parte de uma coisa grande que me faz respirar melhor, que me faz querer tá junto, que me faz me sentir gente. Eu era uma menina normalzinha, ninguém reparava em mim, vivia com medo de tudo e de todos, o mundo parecia ruim demais e medonho demais. Quando eu comecei a me aprochegar na turma fui vendo que eu era muito pequena, muito mesquinha, só via o meu umbigo e os outros eram o perigo, aí fui me soltando, fui fazendo confidências com uns colegas, fui sendo também procurada para me contarem problemas e fui vendo que as coisas poderiam ser diferentes, fui ganhando confiança e vendo que havia gente leal e que me dava valor, aí me aprocheguei e quando vi já era uma Delta. Já estava sendo uma Delta, eu já fazia parte e acreditava e depositava confiança no grupo e nos meus camaradas e me sentia protegida, amada e querida por eles”.
 
Este depoimento[4] parece acentuar a discussão acima. Como a primeira narrativa, também fala da revelação e da modificação de sua vida com a aproximação e posterior adesão ao grupo. Fala da confiança nela depositada e na confiança por ela depositada no grupo como um dos elementos significativos de mudança de percepção da vida e de sua vida antes e depois da opção por entrar no grupo. Fala ainda, além do outro depoimento, do amor, do se sentir protegida, da lealdade e da descoberta do valor pessoal e da valorização de sua pessoa advindos de sua subsunção ao grupo como um sistema moral e simbólico.
Confiar assim é uma categoria analítica que remete a outras duas categorias compreensivas. A primeira é o sentimento de proteção, de se sentir protegido e proteger. A segunda, corolário da primeira, diz respeito ao sentimento de lealdade. Ser leal e obter lealdade em troca é o fundamento da proteção, do sentir-se seguro e do ter segurança, que remete por sua vez aos espaços construídos de confiança e confiabilidade no, para e pelo grupo.
Código de conduta que permite aos membros do grupo sentirem-se Delta, isto é, uma comunidade moral onde os valores e hábitos são balizados através da fé depositada ou esperada no outro membro do grupo, de permitirem a confiança e de exercerem a confiabilidade necessária à segurança de cada um dos membros do grupo. A revelação de poder confiar e ser alvo de confiança permite ao grupo tornar-se uma comunidade de valores morais onde a segurança e a lealdade sejam condições sine qua non de apropriação e manutenção de uma prática social e pessoal que assegurem ao coletivo uma margem de independência em relação aos membros individuais, e permitam a cada um dos membros se revelarem como pertencentes a este código de conduta moral e, através dele, relacionarem-se consigo próprios, entre si e com os outros sociais de fora dos Deltas.


[4] Entrevista realizada em março de 2002, com uma jovem de 19 anos de idade que pertence ao grupo há três anos. Estudante do segundo ano do ensino médio noturno de um colégio municipal de um bairro próximo ao bairro onde mora, trabalha durante o dia como balconista de uma farmácia no centro comercial da cidade de João Pessoa. Solteira, namora atualmente um rapaz com quem vinha conversando há algum tempo para sua aproximação e posterior integração ao grupo de que faz parte. Mora com os pais, aos quais ajuda com as despesas mensais da casa.