Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

Ter vergonha na cara, assim, é sinônimo de um sujeito disciplinado, no sentido de uma pessoa consciente de suas ações e compromissos para com o grupo e os outros relacionais. As ações individuais, deste modo, são pautadas pelo sentimento expresso de vergonha, como indicativo de caráter moral rígido e condizente com o padrão elevado de honradez exigido e orientado pelo grupo.
O orgulho de ser um Delta, deste modo, é orientado por um controle e um autocontrole sobre as ações pessoais, tanto em relação a si mesmo quanto em relação aos membros individuais do grupo, como em relação a todo o grupo. O disciplinamento moral é um elemento fundamental para garantia da continuidade do eu na relação grupal e do grupo com os membros individualizados. Esta ação disciplinar imposta pelo próprio indivíduo relacional a si mesmo e exigida para todos no grupo é uma forma de reconhecimento individual no grupo e do seu auto-reconhecimento como pessoa singular a partir do grupo.
Como informa o depoimento[11] a seguir:
“Tinha largado de estudar porque achava um saco grande. Trabalho desde os 15 anos para sustentar os meus filhos, desde que fiquei grávida a primeira vez, aos 14 anos, e meu pai me botou pra fora de casa. Minha avó me acolheu e eu moro com ela até hoje, mas como não tinha muitos recursos tive que ir pra batalha. O pai do meu primeiro filho se picou, nem registrou a criança nem nada. Depois tive outra gravidez, numa época em que eu tava muito doida e este, também, não tem pai. Fiquei na escola na marra, por insistência da minha avó, até terminar a oitava série, aí não teve mais jeito saí e saí mesmo.
Agora só trabalho e deixei a vida doida que levava. Muito devo aos Deltas. Quando me aproximei eu tava no fim dos 18 anos e dei de cara com um cara que começou a conversar comigo e me dar atenção sem ir mais além do que isso... Foi ele que me levou aos Deltas e o pessoal me recebeu numa legal e eu comecei a ter uma turma e me valorizar e achar bom nisso e valorizar os outros. Que eu não precisava sair dando por aí para me sentir querida, que ser querida era algo diferente, não sei se tô me fazendo entender...
... Essa coisa de me sentir uma pessoa legal, de achar que eu posso ser útil e que as pessoas gostam de mim por ser eu mesma, foi uma coisa que aprendi sendo uma Delta. Outra coisa que aprendi é que isso exige muita consciência e respeito pelos outros, pois o respeito por mim vem pelo respeito que passo para os outros... Aí aprendi a me controlar mais, a dizer só as coisas que devem ser ditas, e não sair dizendo tudo o que passava na minha cabeça oca. Aprendi também a ouvir e saber recolher o outro e a também procurar os outros Deltas pra me abrir e chorar e também rir.
                  
Tudo o que sou hoje devo aos Deltas e hoje me sinto uma Delta. Foi um longo aprendizado esse, pela vida que eu vinha levando antes, mas fui aprendendo e agora sou. Tenho confiança em meus camaradas e tenho a confiança deles. Me sinto útil e responsável;

 



[11] Entrevista realizada em maio de 2002 com uma jovem de 24 anos, Delta desde os dezenove. Solteira com dois filhos, mora com a avó, trabalha em uma lanchonete situada na orla marítima de João Pessoa e estudou até a oitava série do ensino fundamental. Atualmente namora um dos membros dos Deltas e está pensando retornar aos estudos.