Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

proteger o segredo do outro a ele confiado, ou o segredo do grupo confiado a ambos e, de um outro lado, e principalmente, manter à distância tudo o que o outro não revela explícita ou expressivamente.
Ao discutir o conceito de segredo e sua importância para a compreensão e formulação do social, Simmel irá tocar o tempo inteiro na tecla da insegurança e do medo que provoca a ação, a configuração e a remontagem dos projetos socialmente dispostos pela ação social de indivíduos e grupos. Insegurança que, antes de indicar um aspecto negativo para a ação social, provoca em si a positividade da ação social e a especificidade desta ação como criadora de significados e suas possibilidades infinitas de se reproduzirem em novos formatos sociais e de individualidades.
Coloca o segredo e a insegurança, do conhecimento global dos indivíduos ou grupos relacionais, do outro da relação, como o momento instituinte fundamental da constituição de uma sociabilidade e do estabelecimento singular, enquanto projeto, da diferença ou do diferencial que assemelha indivíduos, pessoas ou grupos em ação e ao mesmo tempo os assentam em um patamar de insegurança quanto ao quantum desta semelhança. Até que ponto o um, semelhante, detém a igualdade proporcionada pela posse do segredo do outro? O que provoca e como se institucionalizam os gérmens de hierarquização e administração das diferenças entre indivíduos ou grupos colocados em uma mesma posição ou de posse de um mesmo segredo?
O segredo pressupõe, assim, diuturnamente, o medo da traição. Indica a forma de revelar ao outro a intimidade e singularidade de uma comunidade (de afeto, de interesses), como modo de desfazer esta própria comunidade pelo desmascaramento daquilo que simbolicamente diz sobre a sua especificidade e unicidade frente às demais.
A possibilidade de traição, porém, antes de anestesiar apenas, parece provocar a centralização e busca de eficácia do controle dos membros internos de uma comunidade de segredo à guarda e manutenção do mesmo. É o que parece informar um entrevistado em seu depoimento[21]:
“Não que você vá negar ao outro a confiança necessária para torná-lo um membro nosso. Não mesmo. Mas, vez por outra, passa na minha cabeça, e acho que na cabeça de muitos, se não de todos, essa coisa de suspeitar. A gente suspeita o tempo todo, pode-se dizer. (...)Eu suspeito de mim, primeiro, e aí vejo os outros como iguais a mim e sujeitos ao mesmo modo mole de ir adiante. Aí finco ainda mais em mim mesmo a idéia de que não posso cair, tenho que me superar, me superar, e aí vou nos outros de cara cobrando comportamento, verificando cada passo que pode ser em falso, e aplaudindo os passos legais. E aí, acho que a gente vai indo em frente, buscando mais confiança e confiando, mas sempre com um pé um pouco para trás... Não é que a gente desconfie o tempo todo não, de jeito nenhum, mas é a forma de o grupo se aprimorar, se disciplinar, mais e mais”.
O controle parece que, deste modo, e ao mesmo tempo,  passa a ganhar o sentido da própria eficácia do segredo entre os comuns, se fazer ou se exercer sob uma possibilidade de traição.


[21] Entrevista realizada em maio de 2002, com um rapaz de 29 anos, segundo ele, um dos fundadores dos Deltas, casado, com um filho de dois anos. Ele e a mulher são Deltas, se conheceram no grupo, se gostaram e casaram. Ambos possuem uma pequena mercearia que abre de domingo a domingo, e que serve como um dos pontos de encontro dos membros do grupo.