Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

ele seja melhor ou pior, ele é igual, mas eu me baseio aqui e lá pelas ponderações dele para elaborar as minhas próprias e basear as minhas ações. Acho ele um cara arretado e digno do que eu acho que é ser um Delta”.
Pode também levar um membro individual a se sentir inseguro quanto a alcançar os limites das ações modelo, ou mesmo, ao contrário, de estimular a concorrência entre os membros, na busca de superar essas ações, com novas ações gloriosas que possam torná-lo ou colocá-lo em situação de destaque no grupo. Em um e no outro caso, disputas e tensões são provocadas, tanto no sentido da busca de um autocontrole e segurança nas ações, quanto através de um sentimento de inferioridade ou ressentimento por não se saber capaz de atingir as metas ou não ser reconhecido no seu esforço para tal. Claro que disfarçado em um amálgama de discursos dissimuladores onde os elementos de igualdade e confiabilidade são ressaltados para averiguação das ações na totalidade grupal. O que escanteia o jogo de tensões entre as partes em relação e as disputas individuais ou coletivas sobre o comportamento necessário para se portar como um Delta ou erigir ações-modelo que se tornem códigos disciplinares ou metas a serem atingidos pela comunidade Delta.
O receio de não se portar como um Delta, de um lado, dissimula as práticas discursivas abertas que elejem a disputa e as formas desiguais de inserção no grupo no exercício e pontuação de ações-modelo. Essa dissimulação, por outro lado, não significa um compromisso pelo consenso -  ao contrário, ao se colocar de forma silenciosa e insidiosa, parece aumentar os elementos próprios da rede de disputas e hierarquias no grupo e ampliar as configurações de poder interno entre os membros. O que os leva, como um todo, a recearem colocar-se claramente para os outros sobre os significados de cada ação, sobre os compromissos de uns para com os outros, das vinculações ou ações vinculares internas, que possibilitam a emergência de grupos informais entre eles, e as inseguranças quanto às metas a serem atingidas e ao próprio significado intrínseco do que é ser um Delta, para cada um.
O que parece criar um labirinto por onde se medram alianças e disputas silenciosas, desejos e insatisfações caladas e medo de, ao ser percebido, perderem o status de Delta. Ou ainda o medo da descoberta de que a autoconfiança que um Delta possui ou deve possuir é apenas uma intenção simbólica que movimenta o indivíduo para fora e não necessariamente para dentro do grupo[15], e de que no interior do grupo o que prevalece é a insegurança sobre a capacidade de cada um autocontrolar-se e proporcionar ao outro segurança, e a afirmação de afinidades que corroboram alianças e dissensões mesmo que dissimuladas entre os membros do grupo.


[15] O status formador de um Delta identifica e dá identidade a cada membro individual. Através da qualificação de ser um Delta se adquire uma postura e um olhar para o mundo ao redor. O sentimento de pertença cria ou estabelece canais de semelhança e identificação grupal e com outros Deltas, ao mesmo tempo em que estabelece a diferença individual necessária para o trato e para as relações com os outros fora do mundo Delta. Magnani (1998), falando sobre a cultura na rua fala sobre a categoria pertencer como uma disposição individual e grupal de uma referência concreta onde alguém pode ser reconhecido enquanto diferença. A pertença significaria, assim, “um espaço de mediação cujos símbolos, normas e vivências permitem reconhecer as pessoas diferenciando-as, o que termina por atribuir-lhes uma identidade que pouco tem a ver com a produzida pela interpelação da sociedade mais ampla e suas instituições” (p. 117). Este trabalho, por outro lado, está mais preocupado com as tensões no interior de um grupo social, no caso os Deltas, entre a busca de identificação e identidade individual e grupal e as disputas invisíveis em torno do ser Delta.