Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

e fazendo os outros acreditarem que a gente confia neles e que eles também podem vir a fazer parte se confiar em nós e, sobretudo neles mesmos”, afirma um entrevistado[12].
Um outro depoimento[13] relata “... a importância de ter-me tornado um Delta”. Fala da falta de sentido de sua vida até o momento em que descobriu, se aproximou e tornou-se um Delta, e da importância de Colchão nessa trajetória. “Um cara”, que imputa ser “do caralho”, no sentido de demonstração do que se deve ser para se atingir a plenitude de se tornar e ser um Delta.
 
“Tinha acabado de me separar de G. com quem tive um casamento de quatro anos. Foi a mulher que mais amei até hoje, ela era mais velha e me encantou e eu vivia de quatro, de cinco por ela. Larguei tudo, os estudos, a família, os amigos pra ficar com ela e depois deu no que deu, ela achou um homem mais velho, com posses e me mandou passear... Eu tava numa merda só, só chorava e bebia, dormia pelas ruas, uma merda... Tava até pra ser demitido quando Colchão se aproximou e tentou me levar na conversa, a falar comigo, me levou pra casa dele e foi me fazendo entender que a vida era outra coisa. No início resisti muito, achei que o cara era viado e coisa e tal, mas depois vi que o cara só queria ajudar e fui me entregando por inteiro e fui entendendo que a vida pode ser legal, e fui conhecendo um ali outro acolá os Deltas e fui começando a fazer parte, ainda sem saber e, quando vi, já era um Delta”.
 
Os dois depoimentos falam do caráter nobre da pertença, falam dos riscos pessoais por que passa um Delta na busca de ajudar um outro e tentar convertê-lo ou possibilitar torná-lo confiável e confiante no processo de descoberta da vida e na ação posterior de renovação através da aceitação dos Deltas como modo de vida pessoal. Falam também do dever ser visualizado nas ações exemplares que passam a ser demonstrativas e modelo do agir individual e grupal dos Deltas. Atitudes afirmativas que enobrecem e honram o sentimento de pertencer ao corpo Delta, mas que por trás parece ser constituída por uma tensão e um tencionar constante das relações internas do grupo e subjetiva do sujeito Deltana sua prática cotidiana.

               De um lado, por exigir um disciplinamento pessoal e uma exigência disciplinar mais acurada nas ações Delta. Por outro lado, por promover uma disputa muda, transvertida de admiração, entre os membros em relação. Disputa sentida no poder acumulado pelas diversas pontuações às ações-modelo, ou assim consideradas pelo grupo ou advogadas por membros ou facções internas. Membros específicos, assim, parecem adquirir um poder sobre os outros por sua abnegação ou conjunto de ações modelo que praticam sobre os demais membros, quebrando um conceito de igualdade que paira entre


[12] Entrevista feita em fevereiro de 2002 com um rapaz de 26 anos, Delta desde os vinte. Solteiro, mora com os pais, não trabalha e cursa o quarto período de um curso na área de Ciências Humanas na Universidade Federal da Paraíba, campus I. Através deste rapaz o pesquisador tomou conhecimento sobre os Deltas, se aproximou e fez os primeiros contatos com o grupo.
[13] Entrevista realizada no mês de maio de 2002 com um rapaz de 23 anos, Delta há quase um ano. Separado, não estuda, trabalha como mecânico em uma oficina do bairro em que mora e divide uma pequena casa com mais dois amigos, todos Delta.