Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

 

Os membros em situação de gelo, neste caso, são completamente ignorados pelos demais membros. Estes se comportam como se não existisse ninguém ao redor: não agridem verbalmente, não há agressões físicas, apenas uma demonstração de inexistência do outro. As aproximações do indivíduo sujeito a um caldo para os demais membros do grupo são apenas ignoradas, as rodas de conversa continuam ou se dispersam, e passa-se pelo membro em suspeita como se ele não existisse. O processo de individuação vivido pelo sujeito em relação ao grupo, provocado pela aparente quebra dos compromissos para com o todo, é realizado ritualmente.
Ritual onde se provoca a invisibilidade do membro para com o grupo, em forma de um gelo no outro em julgamento. Neste ritual o grupo passa a idéia de coesão interna através do isolamento do outro, em atos de absoluta quebra de interatividade para com ele. A invisibilidade e inexistência do outro é demonstrada pela visibilidade e corporeidade do grupo, de sua coesão interna, movidas pelas regras de confiança e irmandade.
Ritual que busca demonstrar para o próprio grupo o conceito de segurança como um elemento necessário à manutenção do coletivo. É ela que permite à comunidade dos Deltas se enxergar como Delta. A quebra da segurança, provocada por um desvio de conduta de um dos membros, se não for imediatamente controlada, através de ações disciplinares, levará o grupo a sua extinção. Já que o movimento interno é mantido pela idéia de confiança e confiabilidade dos seus membros ao grupo e aos demais membros.
O ritual disciplinar, também, de um lado, tem a função de demonstrar para o membro em suspeita ou pego em atitudes desviantes que o grupo é maior do que as suas ações. De que as regras de confiança conduzidas pelo grupo é que permitiram a existência dele, do membro em julgamento, e que o grupo, apesar das ações desviantes ou quebra da lealdade, se mantém mais coeso, unido e seguro.
No caso do membro em situação de gelo, por outro lado, como se pode observar no depoimento acima, o isolamento parece provocar uma situação de morte simbólica, uma perda do sentido de pertença, um movimento interno de rejeição que leva à insegurança dos seus atos e a se perceber não ser ninguém sem o grupo. Leva a uma atitude de querer reparar o erro, embora não saiba bem onde, quando e por que errou, e dar explicações ao grupo em busca de refazer uma trajetória de integração que o movimento de individuação, provocado pela atitude de quebra de confiabilidade dele para com o grupo, desfez.
O ritual disciplinar também tem uma função regeneradora. Apesar de invisível, o sujeito em individuação, ao gritar explicações, é ouvido e observado pelo grupo. Se for conveniente, um membro é destacado para conversar e sondar a possibilidade de refazer a ponte do sujeito em julgamento para o seu retorno ao grupo. Reconhecidas a não intencionalidade da ação desviante e as boas intenções havidas pelos gestos ou atitudes que provocaram a sensação de deslealdade no grupo por aquele que os provocou, é construído um canal de reaproximação que redundará na re-aceitação pelo grupo e reconhecimento do membro em suspeição como novamente um Delta.