Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

Confiança e Medo
O ocultar a face goffmaniana, assim, parece ser uma das armas de dissimulação que ajudam a manter a união do grupo, em seu complexo moral mais amplo e no sentimento coletivo e individual de pertencer ou de ser um Delta. Goffman (1980) em seu estudo sobre a elaboração da face discute o problema da interação social como um conjunto de elementos ritualísticos capazes de dar corpo a uma relação dada. Fala do sentido de elaborar a face como a forma de um indivíduo em relação buscar se adequar aos outros relacionais: um padrão de atos verbais e não verbais, segundo ele, através dos quais um sujeito enfrenta o outro social, expressa sua situação na relação e faz uma avaliação dos participantes e especialmente de si mesmo (p. 76).
A elaboração da face, deste modo, para Goffman, faz parte da cultura da interação social e está presente em toda e qualquer forma de sociabilidade. As diferenças na forma de organização da face em interação mudam, contudo, de cultura a cultura por seguirem ou acompanharem todo um conjunto de valores, normas e regras estipuladas socialmente e ao alcance dos indivíduos em interação.
Cada indivíduo tem dentro de si as diversas performances possíveis do que se espera dele e do que ele espera do outro em cada situação de inter-relação, e as faces dos sujeitos relacionais vão, ou parecem ir, se moldando de acordo com as exigências da situação social em que está incluso. Afirma que a discrição é o elemento ritual básico em uma convivência inter-relacional onde o indivíduo envolvido conhece bem os outros sujeitos da interação, sabendo que temas devem ser abordados ou quais devem ser silenciados, havendo uma gama de situações temáticas entre os possíveis de abordar e os silenciados, que podem ser levantados e discutidos sem haver grande problema entre as partes.
Neste ritual, de um lado, o salvar a face[16] e o proteger a face do outro[17] são atitudes que mediam uma interação entre possíveis comparsas de uma mesma lógica grupal buscando, num ou noutro modo, uma convivência pacífica e conforme as exigências do grupo ao qual pertencem. Por outro lado, nesta busca de uma convivência pacífica parece conviver, simultaneamente, um receio de se encontrar, como que fora do lugar, se expondo ou expondo outros a processos de humilhação.
             
O medo da humilhação remete o sujeito a uma situação de ocultação da face. Esconder como forma de não se expor, ou dissimular, o sentimento de não lugar que o ocupou buscando, assim, pela distância ou demonstração de indiferença sair da cena em que se viu envolvido, sem prejudicar a sua imagem, ou prejudicar o menos possível, e a do outro[18]. Em situações deste tipo é comum, entre os Deltas, ocultar-se nas entrelinhas da fala de outros membros do grupo em que se sintam apoiados ou a quem apóiam. Em cenários considerados perigosos para exposição pessoal ou onde não se sintam

 



[1] É o processo onde a pessoa sustenta para os outros a impressão de não ter perdido a face (Goffman, 1980: 80).
[2]   E uma ação que visa salvar a face do outro, buscando ajudá-lo e ajudar a si próprio. Em uma ação de proteção da face de um outro, para Goffman, parece coexistir uma situação onde o terceiro envolvido corre o risco de perder a própria face se não o socorrer (p. 86). No caso dos Deltas, esta situação parece evitar, assim, tanto uma situação de descrédito pessoal junto ao grupo, por parte daquele que moveu uma ação protetora, quanto o leva a ganhar um provável aliado importante para suas ações junto ao próprio grupo.
[3] Isto em relação ao outro do mesmo grupo. Em presença de uma situação estranha ou em presença de estranhos, o processo de discrição e o medo de se sentir humilhado e usado parece aumentar, fazendo o sujeito em relação ocultar a face ou restringir-se apenas ao processo ritual interativo de fórmulas e instâncias por ele bem conhecidas, onde possa se sentir seguro (Goffman, 1980: 85).