Revista Rua


Identidade e Pertença: Estilo de vida e disposição morais e estéticas em um grupo de jovens

Mauro Guilherme Pinheiro Koury

ou adquirisse existência para os outros e para si próprio. Um lugar de duplo significado: de um lado, um lugar de semelhança, onde a identificação com os demais membros cria um sentido de familiaridade e uma rede de afetos que tornam o indivíduo pessoa, pela confiança e confiabilidade aferida e doada pelas partes em relação. De outro lado, como um lugar de diferenciação. Lugar de onde pode se tornar visível como individualidade, como marca de uma personalidade que possibilita a fala e a comunicabilidade com outros desiguais.
                Ser um Delta assim é mergulhar ao mesmo tempo em um universo relacional, composto por pessoas confiáveis e em que se depositam credo, crédito e lealdade, e, um universo de individualização, onde se permite ao sujeito que dele faz parte apresentar-se como diferença aos outros sociais e, a partir desta diferença, estabelecer os limites e ações possíveis da troca simbólica social. Mais ainda, o mergulho no universo relacional do grupo, o sentido de pertença dele advindo, permite ao sujeito individual sentir-se ele mesmo pessoa que acredita e é acreditado, mas também sujeito da fala, de um discurso que evoca um lugar de origem e o torna visível através desse lugar, individualizando-o enquanto singularidade[3].
                O próprio sujeito transmuda-se de um indivíduo qualquer para um indivíduo tocado por uma revelação. O que o singulariza junto aos outros possíveis indivíduos, grupos ou instituições sociais, e permite ao mesmo olhar, sentir-se, e tocar o mundo ao redor como ou a partir de uma especificidade pessoal adquirida ao se sentir um Delta.
                O sentimento de pertencer, assim, é uma das categorias fundamentais por onde se podem compreender os laços de confiança e os sentidos de confiabilidade que tornam um indivíduo qualquer em Delta. O sentido de pertencer, a sensação de estar pertencendo, de fazer parte, assim, parece que evoca nos indivíduos tocados pela fé uma comunhão com os demais membros que se consubstancia em uma elevação do grupo acima de si próprio. Neste sentido, faz do indivíduo uma pessoa relacional que se encontra e se submete e se revela no e para o grupo.
                O grupo é, deste modo, um conjunto de membros que se dizem um somente. Vivem o sentido de comunhão de interesses e vontades como grupo e lá advogam um sentido de similitude que os iguala aos demais membros como comunidade de interesse e compreensão do mundo. Lá se sentem confiantes e depositários de confiança.
                A confiabilidade é o elemento principal de garantia de pertença e sociabilidade entre os membros e aquilo que torna os Deltas uma comunidade solidária e sólida. O sentido de pertencer trazido à luz pela categoria de confiança advoga um sistema moral que paira acima dos indivíduos em relação, tornando-os uma mesma pessoa, coletiva, e dando a elas um sentido prático racional de olharem a si mesmas e os outros como pessoas tocadas pela revelação. Revelação de ser Delta, de ser um apenas por pertencer ao conjunto. De ser, durkheimianamente falando, um indivíduo social por ter sido produto da criação deste social, isto é, só nele e através dele adquirir sentido pessoal.


[3] Sobre o conceito de pertença ver, entre outros, Koury (2001 e 2003) e Arendt (1974 e 1993).