Revista Rua


As coisas-a-saber sobre uma cidade na Wikipédia e na Desciclopédia: Pouso Alegre entre edifícios e buracos
The 'things to know' about a city at Wikipedia and Desciclopedia

Ana Cláudia Fernandes Ferreira

 

Segundo Orlandi, o alcance da reorganização do trabalho de interpretação afeta a relação entre as duas formas de memória no sujeito e este fica ao sabor do jogo produzido entre essas duas memórias. Ao lado disso, a autora distingue outro tipo de memória de arquivo, que é a memória metálica. A memória metálica, que também é um tipo de memória de arquivo, é aquela produzida pela mídia e pelas novas tecnologias de linguagem.
A partir dessas reflexões, podemos dizer que, com o advento da internet, constituem-se novas maneiras de divulgação, circulação e manutenção dos saberes; novas possibilidades de relação desses saberes com a sociedade; novas formas de inscrição e divisão dos sujeitos e sentidos na história.
As enciclopédias virtuais, enquanto artefatos da mídia na internet, são tomadas aqui como uma memória metálica que produz novos modos de administração das coisas-a-saber. A Wikipédia e a Desciclopédia são assim consideradas como artefatos de produção/gestão do conhecimento constituídos com base nas enciclopédias tradicionais, ao mesmo tempo em que funcionam em outros espaços e configuram novas relações entre os sujeitos e os saberes.
O ponto de partida do trabalho é a consideração de que, enquanto as enciclopédias “tradicionais” contam com a contribuição de especialistas, a Wikipédia e a Desciclopédia funcionam de outro modo – mais democrático e menos legitimado – em relação aos saberes e aos sujeitos.
Desse modo, o presente trabalho se depara com questões como: Quem é esse sujeito da enciclopédia? Que saber ele faz circular com os artigos que produz? Sob que maneiras, iguais ou diferentes, o que pode/deve ser dito é regulado nos artigos dessas diferentes enciclopédias? O que não se pode dizer em uma enciclopédia e se pode dizer em outra? Que memória, em cada uma, é apagada/silenciada e que memória permanece e se reproduz nessa história dos sentidos sobre os sujeitos, os saberes e a cidade nesses espaços? Como essa memória vem mudando se consideramos as relações atuais do sujeito com o saber e com as novas tecnologias? Essas são algumas das perguntas que norteiam este trabalho e que procuro começar a responder aqui, dentro de uma perspectiva materialista da História das Ideias Linguísticas.