Revista Rua


As coisas-a-saber sobre uma cidade na Wikipédia e na Desciclopédia: Pouso Alegre entre edifícios e buracos
The 'things to know' about a city at Wikipedia and Desciclopedia

Ana Cláudia Fernandes Ferreira

 

apud LECOURT, 1980), que a anterioridade cronológica seria uma inferioridade lógica. Ou ainda, como comentou Paul Henry em “A História não Existe?” (1997), seria supor que um dia o conhecimento seria desvendado e a verdade seria descoberta e que, então, a história conheceria o seu fim.
Eduardo Guimarães (2004, p. 16), ao refletir sobre a prática científica, mostra como ela se faz sob diversas determinações, que envolvem: as condições históricas gerais e as condições históricas específicas ao domínio do saber; o fato de que o sujeito da ciência não está fora da história e nem está separado do sujeito político (lembrando Paul Henry, 1975), estando a ele subordinado; e o fato de que o sujeito da ciência não está fora das relações institucionais de individuação.
Desse modo, podemos compreender que o processo de produção de conhecimento não é neutro, e que o próprio analista também não é neutro, já que ele também não está fora da história. Recusar a ilusão de que se estaria fora da história, de uma perspectiva materialista da História das Ideias Linguísticas, é considerar a materialidade da história de uma maneira bastante particular, que envolve o político, o institucional, o ideológico e o simbólico, no espaço entre língua e discurso.
Ao lado disso, é importante levar em conta que dizer que algo é saber é, antes de mais nada, dizer que algo não é. Ou seja, dizer que algo é saber já é produzir uma divisão. E ainda: o que se sabe sobre algo não está diretamente relacionado com esse algo, tal como ele existe no mundo, mas como ele significa no mundo. E esse modo de significação é histórico, ideológico. Assim, essa divisão é produzida pelo modo como o que é saber é recortado[4], significado. O que não se recorta como algo a saber, o que não se diz como algo a saber, não adquire visibilidade, é como se não existisse.
As escolas, as instituições universitárias, as enciclopédias, as gramáticas e as publicações especializadas, por exemplo, são lugares privilegiados desta divisão política e normativa que institui algo como um saber e que produz aí uma divisão. Elas são os espaços onde os saberes são legitimados, ao mesmo tempo em que eles as legitimam.
Essa divisão, entre o que é saber e o que não é, é pensada considerando que seu funcionamento é, incontornavelmente, atravessado pelo silêncio, em suas diferentes formas, tal como propôs Eni Orlandi, em As formas do silêncio (2007). Segundo Orlandi, temos o silêncio fundador, que é base de produção de sentidos e a política do


[4] O conceito de recorte é compreendido por E. Orlandi (1984) como uma unidade discursiva que o analista produz sobre os seus materiais. Segundo a autora, “não há uma passagem automática entre as unidades (os recortes) e o todo que elas constituem” (p. 14). Os recortes são sempre efetuados a partir de uma determinada posição teórica e das questões que a análise coloca.