Revista Rua


As coisas-a-saber sobre uma cidade na Wikipédia e na Desciclopédia: Pouso Alegre entre edifícios e buracos
The 'things to know' about a city at Wikipedia and Desciclopedia

Ana Cláudia Fernandes Ferreira

 

concebida, na maioria das vezes, apenas como um meio transparente, ou então como uma vidraça empoeirada através da qual se incita a espreitar “as próprias coisas” (p. 63). Dessa maneira, para estas duas culturas, a leitura não é tomada como uma questão e a construção do arquivo não é tomada como uma leitura.
O autor define arquivo no sentido amplo de “campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão” (ibidem, p. 57). Assim, o arquivo pode ser, por exemplo, um banco de dados, uma enciclopédia, uma biblioteca, um conjunto de documentos levantados por um pesquisador para seu trabalho particular ou um conjunto de textos que constroem sua filiação teórico-analítica.
A partir desta definição de arquivo, quanto à questão dos documentos, cabe perguntar: Que documentos seriam pertinentes? E também: Para quem são pertinentes? Sobre este ponto, é interessante destacar algumas relações estabelecidas no texto de Pêcheux entre as instituições, o arquivo e a memória histórica. A pertinência de determinados documentos é relativa ao papel das instituições nos diferentes modos de se ler o arquivo e o papel do arquivo na gestão da memória histórica.
Pêcheux observa que atualmente a divisão social do trabalho de leitura entre “literatos” e “cientistas” está se reorganizando. As demandas de “objetividade” para o tratamento de “dados” textuais, vindas de diversos setores da sociedade (Igreja, Estado, empresas) encontram legitimidade através de uma referência à “ciência” e têm, na informática, suas condições materiais de realização.
Para o autor, a difusão maciça da informática para estes fins abre a possibilidade de expansão dos privilégios “literários” da leitura para outros setores como os discursos políticos e publicitários, lugares em que a prática da “leitura literal” se mostraria insuficiente. Ao mesmo tempo, há a possibilidade de uma restrição dos privilégios da leitura interpretativa, como resultado “de uma expansão da influência das línguas lógicas de referentes unívocos, inscritos em novas práticas intelectuais de massa” (ibidem, p. 60).
Eni Orlandi (2001) toma a reflexão de Pêcheux sobre a reorganização do “trabalho intelectual” estendendo a questão para o “trabalho da interpretação”. Isso é feito tendo em conta a distinção que ela elabora entre memória de arquivo e memória discursiva. A memória discursiva é o interdiscurso, é a memória constitutiva, estruturada pelo esquecimento. A memória de arquivo é a memória que as instituições não deixam esquecer através da organização de um discurso documental e que, por esse processo, apaga o esquecimento.