Revista Rua


Futebol no Brasil: sentidos e formas de torcer

Simone Hashigutti

 

A relação do futebol com o sentido urbano é importante de ser pensada quando a própria cidade é vista discursivamente, como um espaço particular de produção de sentidos, que se significa nos dizeres dos sujeitos e cujas materialidades são efeitos de diversos processos sociais, político-econômicos e de planejamento (Orlandi, 2004: 15). Se o sentido do futebol como prática desportiva e de torcida nasce com o sentido do urbano, e se o esporte continua mantendo seu lugar na cidade, com os estádios e as sedes das torcidas organizadas e clubes, essa relação constitutiva sempre provoca efeitos. É o caso, por exemplo, do movimento e das formas de linguagem das torcidas, principalmente as “torcidas organizadas”, como será visto abaixo. Essas torcidas retomam, em seus símbolos, suas letras, seus cantos, materializações da cidade.
            A relação entre essas duas discursividades se mostra constitutiva quando se observa como a própria cidade se reorganiza em função do esporte. Um exemplo é o do preenchimento do espaço urbano com as cores e símbolos de times, especialmente nas épocas de Campeonatos e nas Copas do Mundo. Nessas ocasiões, as cidades se cobrem com as cores das bandeiras dos times, com objetos e camisetas que identificam os sujeitos como torcedores. Essa presença pode ser tão incisiva, que pode rearranjar a própria arquitetura da cidade[9].
 
A prática discursiva de torcida
 
Antes, porém, da discussão sobre o funcionamento das “torcidas organizadas”, cabe analisar a relação que os torcedores (também os que não são filiados a esses grupos institucionalizados) foram constituindo com seus times durante a história do futebol, a partir de uma prática de torcida que também foi se constituindo dentro dessa história. É importante mencionar que um dos primeiros sentidos a se mostrarem no imaginário sobre essa prática é o de que “torcedor não muda de time”:
 
(9) P:_ Você mudaria de time?
     I3: _ Não, não mudaria em hipótese alguma. Porque esse é um princípio da torcida. Porque tem muita rivalidade entre as torcidas, então se você entrou na brincadeira, entrou na brincadeira. Ce não vai mudar e virar a casaca. Aí, fica mal. Acho que é contra o espírito da brincadeira coletiva, contra as normas tácitas do jogo. Você entrou porque quis e é assim.


[9] Na cidade de São Paulo, por exemplo, como relatado no Jornal Folha de S. Paulo, de 10 de junho de 2006, uma árvore no Vale do Anhangabaú foi cortada para ceder espaço a um telão instalado no parque e que exibiria os jogos da Copa de 2006.