Revista Rua


Futebol no Brasil: sentidos e formas de torcer

Simone Hashigutti

 

Escolhemos o nome ‘Mancha Verde’ com base no personagem ‘Mancha Negra’ do Walt Disney, que é uma figura meio bandida, meio tenebrosa. A gente precisava de uma figura ideal e de pessoas que estivessem a fim de mudar a história. Na época, a gente tinha uns 13/14 anos de idade e já havíamos sofrido muito com as outras ‘torcidas’, então, a gente começou com muita vontade, muita garra e na base da violência. A gente deve ter exagerado um pouco, porém, foi um mal necessário. A gente conseguiu o nosso espaço e adquirimos o respeito das demais ‘torcidas’.[20]
 
            Nesse fragmento, aparece novamente a questão da necessidade de visibilidade (“A gente conseguiu o nosso espaço.”). A prática de torcida funciona numa relação constitutiva com o espaço urbano e é possível perceber como a visibilidade em questão não diz respeito somente à direção dos clubes, como foi a proposta anunciada pela Gaviões da Fiel, mas também a uma visibilidade social. Como aponta Orlandi (2004), o espaço urbano cria o “não-lugar” social, porque tem um funcionamento segregacionista. Há segregação por várias formas, desde as divisões da/na cidade (periferia/centro, muros, portões, cercas elétricas, bolsões residenciais etc.) às distinções do tipo: sujeito escolarizado/não-escolarizado, rico/pobre, empregado/desempregado. A prática de torcida com violência retoma esse funcionamento e reafirma seu efeito, qual seja, o de produzir a própria violência como forma de manifestação da invisibilidade social. Na violência está a marca da segregação e da tentativa de apagamento da natureza do sujeito como ser social. Para o sujeito urbano, fundem-se, na prática de torcida, portanto, a possibilidade de um processo de identificação com um grupo, e em suas manifestações, também a possibilidade de ocupação de uma posição de enunciação[21] que o tornaria visível e restabeleceria o elo social. 
 
Materialidades da prática de torcida
 
Os símbolos, a forma de escrita, as letras de música também retomam essa ligação com o urbano e com os sentidos confronto e disputa:


[20]Relato de Paulo Serdan, então presidente da torcida organizada Mancha Verde, do Palmeiras (apud PIMENTA, ibid.: 44)
[21] Usa-se posição de enunciação para representar uma posição discursiva em que o sujeito pode vir a tomar a palavra, enunciando como “eu”, que se autoriza a dizer em primeira pessoa porque tem um lugar social visível. E como define Serrani (1998), a questão da tomada da palavra: “Quando se toma a palavra, sabemos, toma-se um lugar que dirá respeito a relações de poder, mas, simultaneamente, toma-se a língua, que tem um real específico, uma ordem própria.”