Revista Rua


Futebol no Brasil: sentidos e formas de torcer

Simone Hashigutti

 

História (Galeano, 1995), havendo também contribuições da Literatura (Rodrigues, 1993). Neste estudo, a proposta é um olhar discursivo para o tema, com a entrada da linguagem como fio condutor das reflexões. As formas de manifestação da prática de torcida (objetos com símbolos dos times, cantos, hinos, dizeres, gestos etc.) são analisadas enquanto formas de linguagem no discurso. Isto é, torcer por um time de futebol tem o sentido de uma prática discursiva, em que estão envolvidos sujeitos de ideologia e história, cujas identificações sociais são movimentos na história (Orlandi, 1998: 204), efeitos de filiações a formações discursivas. Interessa, portanto, analisar as formas de funcionamento dessa prática.
Para pensar o “torcer por um time de futebol” como uma prática discursiva e o futebol como um tipo de discurso, cabe ter claros os sentidos de sujeito e de processos de produção de sentido-identificação em Análise de Discurso. O sujeito discursivo, por ser de linguagem, é incompleto, já que a característica da linguagem é também a de ser incompleta. Sujeito e sentido não são formas ou entidades que existem prontos, possibilitando a existência de sentidos literais e de identidades sociais estanques, pois “se configuram ao mesmo tempo” (Orlandi, 1998: 205), no espaço de relação entre a língua e a história. Para fazer sentido, o sujeito é interpelado, se inscrevendo em redes de significação, as formações discursivas[2], e entrando necessariamente num funcionamento de produção de sentido que é sempre de relação a.
A identificação, nesse sentido, é o que surge dessa inscrição nas redes de significação. É quando “o sentido faz sentido” (Orlandi, 1998: 206). Assim funciona a identificação do sujeito com a posição discursiva “torcedor”. Ocupar a posição sujeito-torcedor, ou não, de time de futebol, discursivamente, não é uma questão de escolha consciente. O sujeito se filia pelo próprio funcionamento do processo discursivo, por uma identificação com uma rede de sentidos que identifica um grupo (uma instituição[3]) e o identifica. Nas entrevistas, os torcedores, ao serem questionados do porquê de serem torcedores dos seus respectivos times, respondiam, por exemplo:


[2]As formações discursivas são, como define Orlandi (2005), regionalizações do interdiscurso (que é a memória, saber discursivo, possibilidade histórica do dizer) e representam, no discurso, a formação ideológica. Elas são redes de significação que direcionam os sentidos e determinam o que pode e deve ser dito. 
[3]Por “instituição”, entende-se um “Aparelho Ideológico de Estado”, na sentido de Althusser (1974), para quem diferentes instituições funcionam para a manutenção de um sistema ideológico dominante. Segundo ele, há Aparelhos de Repressão do Estado (como a prisão, o exército, o sistema jurídico, a administração) que funcionam essencialmente através da repressão (podendo ela ser física), e Aparelhos Ideológicos de Estado (como a Igreja, a escola, a família, a imprensa etc.) que, através de processos de seleção e exclusão, funcionam como os primeiros na manutenção de um sistema de governo. Althusser aponta que, para ambos tipos de Aparelhos, as formas de funcionamento se inter-relacionam, não podendo haver, de fato, uma separação definitiva entre os tipos.