Revista Rua


Futebol no Brasil: sentidos e formas de torcer

Simone Hashigutti

Introdução
 
            Um olhar para a cidade permite reconhecer que o futebol participa intensamente do cotidiano urbano brasileiro. Ele está presente em conversas informais, em reportagens e artigos de revistas e jornais, nos objetos que têm símbolos de clubes expostos por todos os lugares e, sobretudo, no lugar específico que lhe é reservado na arquitetura da cidade: o estádio. Essas marcas que indicam a sempre presença do futebol mostram como se move e se mantém isso que é chamado de “paixão” pelo esporte no país. Responder a essa presença do futebol, ser pego em sua discursividade, filiar-se a grupos de torcedores é, como aqui se considera, ser determinado por uma prática discursiva[1].
Há formas de torcer no estádio e fora dele, há marcas não-verbais e formulações lingüísticas específicas, conjuntos de regras não explicitadas, mas sempre produzindo efeito. Cada clube tem seu hino, e seus torcedores sempre o cantam, além de fazer referência aos seus símbolos e mascotes, e há uma multiplicidade de sentidos possíveis circulando, relacionados à identificação dos sujeitos com os grupos de torcedores dos quais fazem parte, e outros relativos às identificações com a nação, como no caso dos jogos da Seleção. Para apreender teoricamente alguns desses sentidos e as formas de funcionamento dessa prática, pretendeu-se realizar a análise ora apresentada. O recorte específico para direcioná-la, dada a grande quantidade de materiais existentes sobre o assunto, foi o dos dizeres de torcedores sobre seus times e sua prática de torcida.
Para isso, analisaram-se (a) materiais disponíveis em ambientes virtuais – relatos, cantos, músicas, hinos, fotos e símbolos dos torcedores em seus sites oficiais e em comunidades de um site de relacionamentos[2] – e (b) entrevistas gravadas com sujeitos torcedores de times de futebol. A análise permitiu compreender aspectos da discursividade própria do futebol, de sua constituição histórica e da prática de torcida. Abaixo, seguem as considerações principais; os textos teórico-metodológicos de base são de Orlandi (1998, 2004, 2005).
 
Futebol e discurso

                   O futebol já foi discutido pelas mais diferentes áreas de conhecimento. Nas Ciências Sociais, houve leituras da Antropologia (Toledo, 1996), da Sociologia (Pimenta, 2003), da


[1] Maingueneau (1997: 56) articula os conceitos de formação discursiva e comunidade discursiva (“isto é, grupo ou organização de grupos no interior dos quais são produzidos, gerados os textos que dependem da formação discursiva”), para propor o de prática discursiva, que designa a reversibilidade essencial entre essas duas faces constitutivas do discurso.
[2] Especificamente o www.orkut.com.