Revista Rua


Futebol no Brasil: sentidos e formas de torcer

Simone Hashigutti

 

entrevista do major Gerson dos Santos Resende, em entrevista em 1992, presente em Toledo (ibid.):
 
Com o surgimento das torcidas organizadas, houve uma necessidade de separar as torcidas e este é um dado histórico para a PM (...)
 
Dentro dessa separação física no estádio[1], a torcida organizada também respeita uma organização própria de seus membros. O que Pimenta chamou de uma organização burocrática/militar, na Gaviões da Fiel, foi a organização institucional do grupo, com o estabelecimento de uma hierarquia de poderes – presidente, vice, conselheiros –, e eleições para preencher esses cargos, e também a organização espacial elaborada de forma militar. A Gaviões foi a primeira a distribuir seus membros nas arquibancadas em grupos nomeados segundo táticas e estratégias militares de defesa: “linha e pelotão de frente, combate etc.”.
Esse fato é bastante significativo no que diz respeito à violência entre torcidas, pois a referência a uma organização militar é uma forma disciplinar de controle dos sujeitos e de construção de um imaginário. Como já apontava Foucault (op.cit.), o primeiro aspecto da disciplina como meio coercitivo é a distribuição dos indivíduos no espaço. Determinar lugares é criar uma lógica de movimentação, de redes de comunicação e vigilância, fazer uso de uma técnica de poder. A relação da torcida com a disciplina, com a discursividade militar, pode ser um dos elementos que provocam o aumento da violência como efeito nos estádios, pois fazem parte dessa discursividade os sentidos de “combate”, “luta”, “defesa”, “ataque”, “disputa” e “guerra”. As torcidas organizadas de fato disputam a visibilidade social, querem mostrar-se um grupo coeso e de identidade própria, medem forças nas manifestações de suas materialidades (tamanhos de bandeiras, atividade das torcidas, qualidade das baterias, criatividade nas composições etc.) e também nas formas de violência, quando há confrontos.
A partir desse funcionamento disciplinar, militarizado, pode-se perceber como as torcidas organizadas se fundam com um imaginário de violência, com uma discursividade que faz com que o modo de expressão e relacionamento entre elas não possa ser de outro jeito senão o do confronto:


[1] No estádio, ocorre não só a separação das torcidas, como também por poder aquisitivo. Há seções distintas: geral, arquibancada, tribuna, cadeiras numeradas, camarotes. Cada uma tem preços de ingressos variados, e algumas são reservadas para convidados especiais, como a imprensa e a diretoria do clube.