Revista Rua


A coevolução do "roubo de identidade" e dos sistemas de pagamento
The coevolution of "identity theft" and payment systems

Benoit Dupont

de maneira marginal pelos delinqüentes. Existem excelentes razões para se exercer certo discernimento no desenvolvimento de sua vida privada, mas a luta contra o “roubo de identidade” não faz certamente parte disso.
Diante de tais limites, é inviável não considerar o “roubo de identidade” como um efeito do modo de explorar a inquietude da opinião pública face à emergência de riscos inerentes ao consumismo dominante das sociedades modernas avançadas (Marron, 2008; Monahan, 2009). Se esta postura crítica tem a imensa vantagem de reintegrar o “roubo de identidade” em um contexto econômico e social mais amplo, ela corre, todavia, o risco de afundar-se sob o peso de seus próprios estereótipos quando invoca argumentos pré-concebidos, tais como as ilegalidades sociais, a flexibilidade excessiva imposta aos empregados sub-qualificados, a estigmatização dos consumidores de produtos supérfluos ou ainda a demonstração dos modos panópticos de governança dos comportamentos individuais para analisar as causas e os efeitos (Monahan, 2009: 169). Contudo, uma aproximação intermediária é possível, o que evita ao mesmo tempo ceder a um alarmismo a-teórico e se perder em um ceticismo refratário completamente empírico. A isso se associa o estudo do “roubo de identidade” à evolução dos sistemas de pagamento nesses sessenta últimos anos, e mais particularmente a generalização dos cartões de crédito e de débito como meio privilegiado de pagamentos. Analisando as condições históricas e econômicas ligadas à desmaterialização dos meios de pagamento, é possível conhecer alguns paradoxos ligados ao “roubo de identidade”, e particularmente as razões pelas quais o Estado manifesta um interesse relativo pelo fenômeno apesar da imposição midiática torná-la seu objeto, ou ainda porque a legitimidade das instituições financeiras não pareçam afetadas, sem levar em conta os prejuízos financeiros consideráveis aos quais estes – assim como seus clientes – estão expostos.
Na primeira parte deste artigo, eu examino assim as ambigüidades e os paradoxos que pesam sobre as análises contemporâneas do “roubo de identidade”. Serão sucessivamente abordadas a imprecisão do termo, a falta de confiabilidade das estatísticas recolhidas a fim de medir sua amplitude, a falta de conhecimentos a propósito dos delinqüentes que são os autores e a manutenção da confiança dos consumidores nas instituições financeiras mais expostas. Na segunda parte, eu proponho um quadro alternativo de análise estabelecendo o conceito de coevolução e ligando o “roubo de identidade” tal qual nós conhecemos hoje com o desenvolvimento dos novos modos de pagamento a partir dos anos de 1950. Eu mostro como esta transformação fundamental dos hábitos de consumo contribuiu para a emergência de novas