Revista Rua


Separação e mistura: alusões utópicas e imaginação espacial no filme A Vila
Separation and mixing: utopians allusions and spatial imagination the movie The Village

Antônio Carlos Queiroz Filho

A ilha é semicircular, como uma meia-lua. A parte côncava a protege e acolhe o mar, fazendo desse, tal qual um lago tranquilo e acolhedor. Já a parte externa fica exposta às intempéries do vento, o que transforma as águas num lugar de risco para aqueles que não conhecem sua “geografia”. Morus ao fazer esta caracterização nos permite aproximar sentidos entre o que o mar significa na ilha e a floresta no filme, como se pode observar na Fig. 04. O mar, dependendo de onde se está na ilha, partilha de uma significação diferente, tal qual a floresta no filme, que é uma, vista da pequena vila e outra, vista da cidade, o que nos permite lidar com concepções outras para o mesmo ambiente, sem que elas se anulem.
Notamos essa condição de mistura de sentidos e significados quando olhamos, por exemplo, para o ato de se dar nome às coisas. No filme, os seres que habitam a floresta são chamados de “Aqueles de Quem Não Falamos”, como na Utopia, que se pretende como a ilha da felicidade, mas que tem, por significado do seu nome, um “não-lugar”. Essa espécie de “batismo” encontrado nestas duas obras indica a manifestação de um modo de pensar o espaço que se mostra, ao mesmo tempo, como a negação e a afirmação, onde ambos estão na própria coisa, muito mais que o anuncio de sua inexistência, impossibilidade, ou de irrealidade, como afirmou Jean Servier, no livro, História da Utopia, citado por Thierry Paquot:
Amaurote, a capital [...] Ela fica situada sobre o Anhydris, um rio sem água. O Estado é governado por Adémus, um príncipe sem povo, e o país é habitado pelos alaopolites, os cidadãos sem cidade. Seus vizinhos, os achorianos, são os homens sem país. (PAQUOT, 1999, p. 29)
 
Para muitos dos estudiosos das utopias, está aí, nesse processo de nomeação das coisas, o indicativo máximo de que a ideia de utópico se resume no sonho irrealizável. Para outros tantos, a utopia é algo que questiona a realidade que está posta, pois o caráter de transformação lhe é algo inerente. Portanto, resumir a utopia ao impossível é um discurso impregnado de uma ideologia que pretende desmerecer o caráter questionador que estas obras da cultura se mostraram em face do contexto e da época em que elas foram produzidas. Dito em outras palavras, a utopia é, para Karl Mannheim, um “estado de espírito” que:
 
[...] está em incongruência com o estado de realidade dentro do qual ocorre. (p. 216) [...] Não obstante, os homens, cujos pensamentos e sentimentos se acham vinculados a uma ordem de existência na qual detêm uma posição definida, manifestarão sempre a tendência a designar de absolutamente utópicas todas as idéias que se tenham mostrado irrealizáveis apenas no quadro da ordem em que eles próprios vivem. (p. 220) [...] Será sempre o grupo dominante, que esteja em pleno acordo com a ordem existente, que