Revista Rua


Separação e mistura: alusões utópicas e imaginação espacial no filme A Vila
Separation and mixing: utopians allusions and spatial imagination the movie The Village

Antônio Carlos Queiroz Filho

apresentado ao espectador como escolha, como algo pensado por alguns desses personagens/moradores, mas sim, como uma situação dada, condição de vida de uma comunidade qualquer, uma espécie de naturalização daquela “circunstância” retratada no filme. Queiroz e Lacerda chamam esse tipo de isolamento, de auto-reclusão, na qual o filme, de certa forma, toca. É uma espécie de retraimento que:
[...] se processa por meio do aprisionamento da população no espaço privado, pois, atemorizada pela situação de violência, adota, como último recurso, o recuo do espaço público e a instalação de grades de proteção, entre outras medidas. (QUEIROZ e LACERDA, 2000, p. 02 – grifos nossos)
 
Lidamos aqui com um artifício da linguagem do cinema no que diz respeito ao “uso” do tempo. Não é o isolamento da comunidade que o “paralisa” e, com isso, gera a diferenciação entre o tempo-do-lugar, que se isolou, do restante. Naquele caso, essa época “passada” não é resultado do congelamento de uma cronologia que seguiu seu curso. Ele é decorrência da escolha feita pelo grupo de pessoas que criou o isolamento. Para eles, o intuito da auto-reclusão era recriar um mundo em que tudo aquilo que eles queriam negar ficasse fora dele, para isso, outra época, outros costumes, outros valores, outro espaço, outro tempo.
A criação desse lugar idealizado inventa uma relação – condicional – de existência entre aquilo que está isolado (dentro) e aquilo que se quer isolar (fora): essa é a grande marca do pensamento espacial presente nas narrativas utópicas. No entanto, o sentir-se isolado, a separação utópica, é uma tensão que se apresenta no filme. Apenas o grupo que “fundou” o pequeno vilarejo – os chamados “Anciões” – sabe das estratégias inventadas por eles para fazer com que esse isolamento se dê com certa “naturalidade”.
As práticas sociais que definem e constituem o pequeno vilarejo dizem respeito a um grupo de pessoas que inventam, fundam e “controlam” aquele lugar. Contudo, esse controle não aparece como se fosse uma forma de autoritarismo. Ele se dá de maneira muito mais sutil. Isso, talvez, porque a vila não se configura como um espaço completamente privado, no sentido dado por Queiroz e Lacerda (2000), mas sim, numa perspectiva de que trata Hannah Arendt (2004) no seu livro As consequências Humanas: como uma espécie de hibridismo entre o “coletivo comum” – público – e o “lugar da intimidade” – privado – trazendo, com isso, tensões relacionadas a essa situação de separação e mistura: contaminações mútuas.
Lidamos com a relação existente entre um interior, na constituição de um espaço restrito, que nega a cidade além-floresta – lugar do mal (fora) e usa a própria floresta (entre) para sustentar a separação e impedir a mobilidade. Os Anciões transformaram a floresta que rodeia a vila num lugar povoado por seres monstruosos,