Revista Rua


Separação e mistura: alusões utópicas e imaginação espacial no filme A Vila
Separation and mixing: utopians allusions and spatial imagination the movie The Village

Antônio Carlos Queiroz Filho

uma natureza não corrompida nem egoísta, que descobriu o altruísmo, a responsabilidade com relação aos outros, o dever de viverem juntos como bons irmãos, e daí por diante. (FIRPO, 2005, p. 233)
 
 Na ilha de Utopia, o que ela queria negar era o modo de vida referente à civilização europeia do século XVI. Ela servia então como idealização, como possibilidade de um mundo novo[4]. A pequena vila, também. Nas suas trajetórias pelas obras utópicas, Firpo observou como cada uma delas localizava esse mundo novo em algum lugar desconhecido e, acrescido da fantasia e da imaginação, transformava seus personagens em testemunhos de uma crítica existente, ainda que em relatos e narrativas fantásticas. Apontava assim, o discurso utópico, para um “horizonte distante”, e como tal, não se configurava como uma proposta para ser executada imediatamente, mas como um ideal possível.
Ao lidar com a idealização das coisas, as utopias, muitas vezes, esqueceram daquilo que foge a qualquer tipo de “planejamento”: o imprevisível. Com ele, vêm as tensões e o desassossego. Quando o que se quis isolar entra no mundo idealizado, é como se tivesse havendo aí uma mistura das coisas, contaminações. Na vila foi justamente isso que aconteceu: um crime. A barbárie, que era para ter ficado do lado de “fora”, apareceu dentro. Exatamente aquilo que levou o grupo dos Anciões a criar a vila, local inventado para servir de esperança, atravessou os “muros” criados. Naquele instante, a vila deixou de ser amparo, proteção, para ser local de misturas e “quases”.
 
Imaginação espacial: entre floresta e cidade
 
É ela – floresta – que garante potência à vila como lugar utópico, que separa, mas também, que liga os dois mundos: dentro e fora. A floresta, portanto, é uma mistura de sentidos, por isso é ali que se encontra a maior força simbólica do filme. Apenas os “Anciões” conhecem o caminho que permite sair da vila, mas isso só fica exposto quando a personagem, Ivy, teve permissão para cruzar a floresta. Sr. Walker dita o caminho que ela tem que seguir. Por ser cega, o mapa da floresta não pode ser de papel. Para Ivy, ele é feito de barulho do rio, estrada de pedregulhos que produz um som peculiar quando se pisa neles, galhos, troncos... e ela segue sua jornada. Do lado de lá, outra floresta.


[4] Tomas Morus buscou inspiração nos relatos de viagem feitos por Américo Vespúcio quando de suas viagens ao continente americano. Rafael Hitlodeu é o personagem que acompanha Américo e conta para Morus de suas aventuras, que resolve escrever um livro a partir delas.