Revista Rua


Separação e mistura: alusões utópicas e imaginação espacial no filme A Vila
Separation and mixing: utopians allusions and spatial imagination the movie The Village

Antônio Carlos Queiroz Filho

irá determinar o que se deve considerar utópico, ao passo que o grupo ascendente, em conflito com as coisas como estão, quem irá determinar o que deve ser considerado ideológico. (MANNHEIN, 1972, p. 227)
 
Talvez a maior das “ideologias” da vila seja a transformação da cidade num lugar indesejável e quem faz isso são os mesmos que ocupam a “posição definida”: os “chefes” da vila, os Anciões. No momento em que a crise penetra a vila e instala nela a dúvida sobre o estabelecimento e a continuidade daquele lugar, o “estado de espírito” utópico de que falou Mannheim nos permite olhar de forma nítida sobre como se dá o território fílmico da vila no seu todo.
Salvo algumas particularidades inerentes de cada obra, filme e livro apresentam para seus leitores e espectadores maneiras de lidar com o espaço que tocam, ainda que sutilmente, uma na outra. Principalmente, no sentido de nos apresentar “maneiras” para se manter o isolamento, dando a ele um tom de naturalidade.
Outro modo de fazer isso são as torres de vigia existentes na vila. Elas valorizam o impedimento da mobilidade e a “conservação” das barreiras – reais e simbólicas – que foram criadas pelos Anciões para dar existência àquele lugar. As torres são a potência do barreiramento e da separação da vila de tudo aquilo que está fora dela. Elas demarcam o território da vila e ajudam na sua própria existência como local fílmico. Elas também contribuem para fazer com que as pessoas reconheçam o isolamento como coisa dada e não sintam o desejo de querer sair.
Em conjunto com os postes de iluminação, elas demarcam um território que nos aponta uma circularidade: alusão à forma-ilha. No oceano verde que é a floresta, a vila também seria uma metáfora visual que contribui para o imaginário de seus moradores de que eles estão completamente isolados. Como se, alegoricamente, atravessar a floresta fosse o mesmo que atravessar um oceano.
Encontramos ainda no modo de vida que nos foi apresentado, aproximações relacionadas ao uso do território, às práticas sociais e sobre a experiência de vida em cada um desses locais. Eles estão ligados, por exemplo, ao preenchimento do tempo, onde em ambos, vila e ilha, não permitem o ócio, nem a preguiça. Morus relata que eles também reservam momentos para a diversão, para o lazer e quando libertos de suas ocupações, se ocupem e empreguem a suas atividades variadamente na arte ou na ciência que mais lhe agrade. (MORUS, 2004, p. 60)
Na pequena vila, essa “divisão” do tempo se dá não como um decreto. Os primeiros minutos do filme nos apresentam seu espaço interior a partir dessa divisão etária e social. Jovens e adultos tem suas funções definidas e isso nos é mostrado através de uma rotina em que o grupo dos adultos realiza o trabalho de prover o lugar.