Revista Rua


Separação e mistura: alusões utópicas e imaginação espacial no filme A Vila
Separation and mixing: utopians allusions and spatial imagination the movie The Village

Antônio Carlos Queiroz Filho

São imagens de pessoas realizando o pastoreio, o cultivo de vegetais, a produção de alimentos – como pães e bolos – e o artesanato. Entre esses afazeres, crianças e jovens vão à escola, brincam, correm. Algumas delas ajudam na limpeza, varrendo a varanda de suas casas ou lavando a louça após o almoço, mas sempre entre sorrisos e brincadeiras espontâneas. Nos dois locais, o importante é que o tempo seja ocupado.
Outro aspecto de aproximação, diz respeito à vida coletiva, onde as questões consideradas de interesse geral são tratadas em “conselho”, o que sugere uma relação de respeito com os mais velhos. Rousseau chama isso de “ato de associação”, que afirma que esse tipo de atitude, [...] “produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto à assembleia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato a sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade”. (ROUSSEAU, s/d, p.26). Na ilha, todos os anos, cada cidade envia três anciões para debater os negócios do país. Na vila, os chamados “Anciões”, são aqueles que a fundaram e são eles que decidem sobre as questões de lá. Reunidos em sessões, fazem um rodízio para aquele que a preside, criando a sensação de que o poder não está concentrado nas mãos de apenas um.
Duas são as ocasiões em que o conselho se abre para o restante dos moradores: a primeira, quando os animais que eles criam começam a aparecer estripados e as pessoas ficam aterrorizadas por isso. A segunda situação é logo após o ataque dos monstros, seres que habitam a floresta. Houve uma reunião investigativa para descobrir o motivo deste acontecimento, pois existia um tratado territorial entre os tais seres e os habitantes da vila para que se respeitassem as fronteiras estabelecidas em acordo mútuo. Esse cuidado de um com o outro o qual o filme nos aponta, novamente me remeteu para Rousseau. Para ele, “A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família”. (ROUSSEAU, s/d, p.11) Essa é a grande base social da vila e é, a partir dela, que os “contratos sociais” são estabelecidos.
Essas são algumas permanências encontradas entre as duas obras. Independente do detalhamento e da particularidade de cada narrativa, elas giram em torno da tentativa de negação do mundo que ficou além-separado e se funda na constituição de algo novo. Esse “novo” não pode estar em qualquer lugar, sobre qualquer época, afirma Luigi Firpo, para não correr o risco da desaprovação pela incongruência com o mundo conhecido. Tem que ser, como já apontou o estudioso dos temas utópicos, “meta-geográfico” e “meta-histórico”. Disse ainda:
 
A ideia-guia é construir mundos nos quais o homem possa resolver os próprios problemas [...] este é um mundo secondo natura, no qual o homem se utiliza apenas das próprias naturais deduções, mas segundo o modelo de