Revista Rua


Separação e mistura: alusões utópicas e imaginação espacial no filme A Vila
Separation and mixing: utopians allusions and spatial imagination the movie The Village

Antônio Carlos Queiroz Filho

“O cinema, como prática social e discursiva,
como obra de uma cultura, cria geografias”.
Wencesláo Machado de Oliveira Jr.
 
 
Aproximando sentidos: conhecendo o espaço fílmico
 
Ao olharmos para as primeiras cenas do filme A Vila somos localizados numa determinada época. Somos sugados para dentro dele por meio de alusões diretas às vestimentas, à aparência externa e interna das casas, ao preenchimento do tempo cotidiano – sem permissão para o ócio[2] – ao ambiente de acolhimento transparecido num grande almoço feito coletivamente, tudo isso para nos situar, nos dar indícios, alinhar nossa imaginação sobre como se constitui aquele lugar.
É importante destacar que “alusão” aqui se refere a uma categoria de análise que trata daquilo que Milton de Almeida (1999) vai chamar de Educação Visual, ou seja, aquilo que articula imaginação, estética e política, na medida em que ver uma imagem implica em realizar o movimento de identificá-la com outras. Alusão é, portanto, a forma pela qual essas relações de identificação e significação entre imagens são estabelecidas, a saber, como alegorias umas das outras, como nos afirma Oliveira Jr. (2004):

O cinema, em sua constituição de cenários, faz alusões a formas espaciais da realidade além-cinema. [...] Alusões feitas pelo título ou pelo tema, pelas paisagens ou pelas fisionomias dos personagens, pelos elementos espaciais que compõem o cenário ou por sons, palavras e frases ouvidas, para indicar algumas das formas mais comuns de aludir utilizadas nos filmes. Ao fazer isto o cinema se apóia em conhecimentos outros (memórias que trazemos dos territórios, espaços, lugares e paisagens) para fazer seus filmes, sejam de ficção, sejam documentais. (OLIVEIRA JR., 2004, p. 02)
 
Por esse motivo, espaço, território ou qualquer outra categoria geográfica não “entraram” no filme, mas emergiram dele quando realizamos contato com as imagens e elas mobilizaram certas memórias espaciais que grudaram naquelas alusões feitas por um espaço contaminado de sentidos. O espaço do filme é, portanto, híbrido, composto, na definição de Oliveira Jr. (2005), por:
 
[...] paisagens e metáforas: dentro e fora, amplo e restrito, subir e descer, movimentos diagonais, fronteiras diversas, percursos por estradas, rios e oceanos interiores, ambientes simbólicos traduzidos em florestas, desertos, montanhas, cidades... (OLIVEIRA JR., 2005, p. 01)


[2] No sentido de vadiagem, de preguiça.