Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

Tais atividades, vistas em conjunto, mas compreendidas em sua heterogeneidade, configuram uma fina camada (imperceptível para alguns olhares demasiadamente encapsulados) que não é exterior, nem paralela aos usos consensuais da cidade, mas infiltra-se nesses, dotada de uma mobilidade e artimanhas próprias, em movimentos oportunistas de entrada e saída. São práticas marginais que constituem assim alternativas, seja por que são de fato ilegais ou porque não obedecem a princípios morais sedimentados na sociedade, mas que resistem a pressões e repressões por meio de embates e conflitos, ou simplesmente desviam, tornam-se invisíveis, e assim lutam pelo direito de existir.
A espacialização desse recorte ambulante da cidade, diferentemente de outras situações usualmente interpretadas como informais, como as favelas ou agrupamentos de camelôs[7], não envolve tanto a ideia de construção de um lugar, de um espaço diferenciado, mas de territorialidades. Estas são facilitadas, geralmente, por um componente técnico, ou “uma tecnicidade que enfrenta engenhos da ação dominante” (RIBEIRO, 2010), mesmo que de forma precária. São artefatos desmontáveis e transportáveis, como suportes, barracas ou veículos que possibilitam tanto o deslocamento quanto o desenvolvimento de suas atividades, expressões de uma singular política de habitabilidade dos espaços públicos, e mais especificamente da rua. Constrói-se um instrumental flexível, criado para enfrentar barreiras e normas, ocupar os espaços vazios ou aqueles de tráfego intenso.
Para a política de subjetivação dominante, trata-se de reduzir a inventividade dos atos desses sujeitos a apenas mais uma das camadas do chamado “caos urbano”, de modo que suas trajetórias acabam por somar-se ao imenso substrato de um corpo social invisível para a cidade sedentária. Mas estas mesmas trajetórias são também simultaneamente produtoras de uma fluida constelação de forças que, agindo conforme uma política da rua e do cotidiano, transformam e subvertem a seu favor aspectos objetivos e subjetivos da paisagem da cidade nômade.


[7] “Camelô” é a denominação popular do comércio informal de rua em várias cidades do Brasil: aquelas bancas, geralmente desmontáveis, que constituem ponto fixo (ainda que carregado de provisoriedade) e que majoritariamente apresentam-se em agrupamentos nos locais de grande circulação de pedestres. Apesar de seu caráter fixo e de “ponto”, são chamados também de comércio ambulante. Os vendedores ambulantes mencionados aqui são de fato ambulantes. Não constituem pontos, mas percursos.