Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

(apud Certeau, 2009) associam este tipo de conhecimento ao que os gregos chamavam de métis, as “astúcias da inteligência” [11]:
 
[...] uma forma de inteligência sempre mergulhada numa prática onde se combinam faro, sagacidade, conhecimento antecipado, flexibilidade intelectual, ‘finta’, desenvoltura, atenção vigilante, senso de oportunidade, habilidades diversas, uma experiência longamente adquirida. (Ibid., p.145)
A métis, este saber-fazer envolvido na prática do desvio, estabelece relação com três elementos fundamentais, segundo Certeau (2009): a ocasião, os disfarces e uma paradoxal invisibilidade.
 
De um lado, a métis conta com o ‘momento oportuno’ (o kairós) e o aproveita: é uma prática temporal. De outro, multiplica as máscaras e metáforas: é uma prática de dissolução do lugar próprio. Enfim, desaparece no seu próprio ato, como que perdida no que faz, sem espelho para representá-la; não tem imagem própria. [...]
 
Nas práticas ambulantes, o movimento é a ferramenta que conecta esses três elementos. É o movimento que faz surgir as oportunidades (clientes, objetos de valor, passagens proveitosas, pequenos ganhos, relações afetivas), assim como é ele que contribui muitas vezes para a dissolução do próprio, geralmente associado, na lógica sedentária, à fixação. “A métis aponta para um tempo acumulado, que lhe é favorável, contra uma composição de lugar, que lhe é desfavorável” (CERTEAU, 2009, p. 146). Além disso, sua realização na lentidão e no espaço liminar da sarjeta produz uma ação perdida num tempo outro e num espaço intermediário de definições imprecisas, que escapa ao alcance da velocidade motorizada ou mesmo à circulação funcionalizada dos pedestres, conquistando aí sua invisibilidade.
A configuração de um próprio, mesmo que em condições ilegais ou semilegais como a dos camelôs tem implicações mais complexas na cadeia institucional-mercadológica. Adentra-se no campo da lei, do uso e do valor do solo, das regulamentações e normas técnicas que de maneira geral, exigem um capital inacessível a grande parte da população, o que inviabiliza essas práticas pelas vias legais. Com isso, a fixação num ponto (um próprio), como fazem os camelôs, estará sujeita a fiscalizações


[11] DÉTIENNE, Marcel; VERNANT, Jean-Pierre. Les ruses de l’intelligence. La métis des Grecs. Paris: Flammarion, 1974.