Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

do planejamento com as práticas do cotidiano. Nos termos da genealogia de Foucault (1998), a sarjeta simbolizaria a própria “anti-ciência” que mobiliza aquele saber local, não legitimado, para questionar os efeitos do saber científico do urbanismo enquanto dispositivo de poder sobre a experiência da rua. Sobre o projeto destas “genealogias desordenadas e fragmentárias”, Foucault diz que devem transfigurar-se em táticas que, a partir da discursividade local, ativariam e libertariam da sujeição os saberes históricos, menores, tornando-os capazes de oposição e luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal, científico (FOUCAULT, 1998, p. 171-172).
Este vírus, que invade o modelo para desafiar suas pretensões de controle, abriga o componente desestabilizador das ruas, povoado – sempre de modo temporário – por tudo o que está fora do script sacramentado pelo conjunto de dispositivos reguladores da cidade. É a instauração desse espaço que fará com que os usos e significados compartimentados nas ruas colidam e disputem posições. Este espaço, componente da cidade nômade, reivindica a ingovernabilidade do urbano permitindo que a rua invente e opere sua própria política.
 
Trilhando uma nomadologia urbana
 
Para desviar de um urbanismo de sujeito oculto e de pretensa neutralidade, onde a fixidez do espaço neutraliza também o movimento, uma nomadologia urbana não poderia abdicar da busca de trajetórias no espaço e da explicitação desses sujeitos. Uma nomadologia pressupõe o nômade, enquanto sujeito da ação. Mas o sujeito encontrado nesta investigação não habita o deserto ou a estepe, e sim a cidade contemporânea com todos os seus paradoxos, superposições de fluxos e processos de subjetivação. Paradoxos que ao atravessar sujeitos que constroem suas próprias alternativas, fazem pulular intensidades de exterioridade aos padrões culturais dominantes, bem como os mais elementares desejos de consumo capitalistas. Desse modo, o nômade só existirá enquanto potência, uma pulsão que faz emergir a força de desvio do movimento, mas que se dissipa tão facilmente como surge. Poderíamos pensar na figura do andarilho, que parece surgir no campo da representação, do imaginário. Seria assim uma imagem repleta de significações externas, que decorre também, em alguns casos, da construção de um personagem pelo próprio sujeito como estratégia de sobrevivência – material ou psíquica. Mas o sujeito ambulante é impuro e nebuloso, nômade e sedentário, desviante e capturado.