Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

lentidão. Esta lentidão no movimento é instrumento para o desvio. Mas desvio de quê e o que podemos entender por desvio?
Recorrendo novamente a Agamben, falaríamos de desvios de dispositivos que de modo geral “orientam, capturam, determinam, interceptam, modelam gestos, condutas, opiniões e discursos” (AGAMBEN, 2009). Sem dúvida, não é possível apontar um “inimigo”, o que nos leva a pensar em escalas variadas de desvio: desvio da cidade funcional, ou da separação entre circular e realizar outras atividades simultaneamente, assim como desvio da hegemonia motorizada da circulação urbana; desvio de um emprego formal, ou do desemprego; desvio de fiscalização ou repressão no caso de atividades não formalizadas ou marginalizadas; desvio de padrões e de consensos; ou simplesmente desvio de obstáculos concretos.
É preciso ter claro, entretanto, que mesmo desviando de alguns dispositivos, estes indivíduos permanecem sujeitados a outros ou ligam-se a novos, como os atravessadores, fornecedores e compradores do “circuito inferior” da economia (SANTOS, 2004), no caso de catadores de recicláveis e vendedores ambulantes; ou o imaginário estabelecido do “estado de direito” do automóvel sobre o espaço das ruas; e ainda os próprios artefatos técnicos que utilizam para facilitar suas atividades, que lhes determinam também limites.
Entre as variadas possibilidades de desvio, parece sobressair nas práticas de sujeitos ambulantes um procedimento comum: o desvio de função. Este tipo de desvio relaciona-se aos objetos e espaços no que diz respeito aos seus usos previstos. Kasper (2006), ao investigar a ação de “habitar a rua”, aponta o protagonismo da prática do desvio de função, uma operação “pela qual o uso previsto para os lugares, objetos, e até as instituições, é subvertido” (KASPER, 2006, p. 14).
Os situacionistas[9] eram determinados defensores desta modalidade de desvio e explicavam, por exemplo, que a natureza de suas práticas consistia não na produção de objetos e obras, mas em seus usos desviantes: “não pode haver pintura ou música situacionista, mas um uso situacionista desses recursos” (INTERNACIONAL


[9] Grupo artístico europeu liderado por Guy Debord que atuou entre 1956 e 1969. A Internacional Situacionista teve papel fundamental na agitação política que culminou nas revoltas de Maio de 1968 na França. Os Situacionistas criticavam a culturalização da mercadoria e do urbanismo enquanto ideologia capitalista, processos responsáveis por transformar os habitantes das cidades em meros espectadores da vida convertida em espetáculo. Os situacionistas propunham, ao contrário, uma retomada dos espaços urbanos através da criação de situações, como forma de desalienação coletiva ante a espetacularização generalizada. Ver Jacques (2003).