Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

SITUACIONISTA [1958], 2003, p. 66). Num boletim Situacionista, Kotányi e Vaneigem defendiam um programa de trabalho à luz do desvio no urbanismo:
 
O exercício elementar da teoria do urbanismo unitário[10] será a transcrição de toda mentira teórica do urbanismo, desviado no intuito de desalienar: a cada instante temos de nos defender da epopeia dos trovadores do condicionamento, temos de inverter-lhes os ritmos. (KOTÁNYI e VANEGEIM [1961], 2003, p. 141)
Neste caso, contra os condicionamentos promovidos por um urbanismo totalizador, os situacionistas, sem qualquer credencial, conferem a si mesmos (e a qualquer um) o direito de fazer outro tipo de urbanismo sobre aquele que se impõe sobre a vida dos cidadãos, desviando e invertendo suas determinações.
Guy Debord, o principal teórico dos Situacionistas, oferece-nos em seu “Sociedade do Espetáculo” uma definição simples e clara deste tipo de desvio, que define como a linguagem fluida da anti-ideologia. Para ele, “o desvio é o contrário da citação”, ou seja, não se trata de reproduzir ou utilizar algo pré-produzido a fim de legitimar uma autoridade, ou uma condição autoral que reforça a ideia de propriedade, mas de apropriar-se como quiser, piratear, ressignificar. Debord defende ainda que o desvio é aquele que desmente toda autonomia durável, “ação que perturba e varre toda ordem existente” (DEBORD, 1997, p. 134). O desvio reivindica da propriedade sua contínua abertura à apropriação pelo uso; das funções e ideias, a contínua possibilidade de atualização; dos condicionamentos, a possibilidade de variações e inversões; das rotas pré-determinadas, a emergência de rotas de fuga.
 
Ocasião, disfarces, invisibilidade
 
Os praticantes de desvios parecem desenvolver um conhecimento específico que se ganha na própria experiência. Aprende-se na tentativa e no risco. Detienne e Vernant


[10] A ideia de Urbanismo Unitário surge como uma crítica clara ao urbanismo funcionalista da Carta de Atenas, que separava a cidade por funções, mas também à separação dos saberes e à exclusividade da construção da cidade por um saber especializado. Numa de suas definições, os Situacionistas descrevem o Urbanismo Unitário como a “teoria do emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem para a construção integral de um ambiente em ligação dinâmica com experiências de comportamento”. (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2003, p. 65)