Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

ancoram essas diferentes formas de produzir espaços nas relações com a terra. Assim, explicam que, se no caso sedentário esta relação estará sempre mediatizada pelo aparelho de Estado, por meio de um regime de propriedade, no caso nômade “a terra se desterritorializa ela mesma de modo que o nômade aí encontra um território. A terra deixa de ser terra [lote, terreno, bem, propriedade] e tende a tornar-se simples solo ou suporte” (Ibid., p.53). Neste sentido, o nômade urbano pode ser identificado como aquele que imprime em sua territorialidade outros significados à terra, desviando do regime de propriedade ao qual não tem acesso (ou este é limitado) e sobre o qual as ações do planejamento urbano se fundamentam. Se a terra urbana é, desse modo, significada em propriedade na cidade sedentária (e no urbanismo), este é desviado e ressignificado como suporte para a ação na cidade nômade (e numa nomadologia urbana).
O solo urbano converte-se em simples suporte quando, por exemplo, em contextos variados, coexiste no espaço da rua uma heterogeneidade de trajetórias instaurando o que podemos chamar de um Estado de rua, isto é, um agenciamento de dinâmicas sociais entre si e com o espaço permeadas não pelo Estado, mas por uma política própria da rua capaz de se auto-organizar em seus conflitos e disputas por espaço, possibilitando a constituição de novas cartografias de poder.  É, sobretudo, nos intervalos em que os dispositivos de controle do Estado estão ausentes para garantir o poder do capital e da propriedade, que os arranjos compostos por trajetórias ambulantes podem inverter dinâmicas de poder aparentemente estabelecidas na cidade sedentária, apontando para a impossibilidade de se governar completamente o urbano e evidenciando uma potência própria do movimento.
Esta redefinição pode ser compreendida criticamente no contexto das alianças contemporâneas e neoliberais entre Estado, mercado e mídia de massa, responsáveis pela manutenção das hegemonias consensuais para o desejo e consumo da terra como propriedade. Neste sentido, incorporar o tempo no discurso sobre o espaço e nos modos como este é imaginado coletivamente torna-se uma ação política necessária.