Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

representações cristalizadas da cidade sedentária e exclusão e inclusão, público e privado, formal e informal, se embaralham, formando embaçadas e flutuantes “zonas de indiscernibilidade” (DELEUZE ; GUATTARI, 1992).
É neste contexto em que a lente da cidade nômade dirige-se a tudo aquilo que está em movimento entre aquelas categorias tradicionais e territórios sedentarizados. Ganham importância as dinâmicas e transformações materiais e humanas ao longo do tempo. Não se trata, no entanto, apenas daquele tempo histórico, longo, mas também daquele tempo utilizado para caminhar do início ao fim de uma rua, passar de uma rua a outra, desenhar percursos, ou então de um tempo oportuno, como aquele que um camelô dispõe para desmontar sua barraca antes que seja capturado pela fiscalização.
Se inicialmente a aproximação à ideia de nomadismo decorre de uma associação simples ao foco dessa lente – o movimento –, num segundo momento esta noção revelou-se portadora de um nível maior de complexidade, pois aponta para um entendimento da noção de nomadismo ao nível das potências, agindo também enquanto instrumento crítico aplicável a graus variados de sedimentação ou sedentarização do pensamento e dos discursos, dos protocolos metodológicos, das ações cotidianas na cidade e das práticas urbanísticas.
O conceito desenvolvido por Deleuze e Guattari (1997) em seu tratado de nomadologia, ao qual nos aproximamos aqui, distancia-se de um nomadismo romântico que, segundo uma perspectiva evolucionista, remeteria a uma condição histórica anterior à sedentária. Este seria antes uma potência que se constitui a partir de outra lógica que não a identitária, do modelo ou da propriedade. Esta outra lógica coloca-se em posição de diferença a uma lógica de Estado, ampliada a suas réplicas simbólicas encontradas em grupos e instituições de toda espécie. A lógica de Estado seria aquela da interiorização, ao passo que a lógica nômade é a da exterioridade, como explicam os autores:
 
A forma de exterioridade do pensamento não é de modo algum uma outra imagem que se oporia à imagem inspirada no aparelho de Estado. Ao contrário, é a força que destrói a imagem e suas cópias, o modelo e suas reproduções, toda possibilidade de subordinar o pensamento a um modelo Verdadeiro, do Justo ou do Direito [...]. Um povo ambulante de revezadores, em lugar de uma cidade modelo. (DELEUZE ; GUATTARI, 1997, p. 47)