Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

contextos) das geografias de poder – incluídos o poder técnico sobre o projeto/planejamento e o poder político sobre o socius e o urbano.
Este artigo busca partilhar uma tentativa de imersão nesses paradoxos, colocando-se criticamente em relação às fixações, categorizações e métodos habituais das chamadas ciências urbanas, por meio da investigação do que poderíamos chamar de uma potência própria do movimento na cidade. Para escapar aos vetores da sedimentação – na cidade e no urbanismo – foi preciso construir outra lente, outro modo de olhar a cidade que implicasse tempo e espaço na experiência do movimento. A esta experiência outra chamamos de cidade nômade. Para explorá-la foram descartadas as fotos de satélite, as visões do alto, distantes e pretensamente neutros da cartografia convencional, optando-se pelo engajamento do pesquisador em uma cartografia ao nível do chão, em movimento e em contato com o outro, construindo também aí um posicionamento ético-político. Mais do que elaborar mapas de espaços, buscou-se cartografar práticas de espaço-tempo. As ruas, espaços de movimento e públicos, constituíram o campo de investigação, especialmente as ruas centrais, entendidas não tanto como o lugar do encontro, mas da colisão[2] entre as forças variadas que povoam os processos urbanos contemporâneos.
Nas ruas de Brasília e Salvador a cartografia da cidade nômade deparou-se com um grupo heterogêneo de sujeitos que carregam em comum o fato de realizarem suas atividades cotidianas em movimento. São indivíduos que, agindo num regime de visibilidade variante, geralmente num limiar entre o legal e o ilegal, o padrão e o desvio, trabalham, habitam, sobrevivem, se expressam ou simplesmente se deslocam pelas ruas de maneira marginal, onde o movimento converte-se num instrumento tático para escapar dos padrões dominantes de uso dos espaços, das determinações do mercado sobre o trabalho e o habitar ou de dispositivos de fiscalização e repressão.
Estes sujeitos ambulantes converteram-se nos principais aliados da investigação, e a tentativa de incorporação de suas táticas e artimanhas nos procedimentos da pesquisa sugere pistas para o que podemos chamar de uma nomadologia urbana. Trata-


[2] A ideia de colisão, mais interessante que a de “encontro”, foi sugerida por Marcus Vinícius Faustini no XIV ENANPUR, na mesa “Dimensões da experiência: espaço público, alteridade e lugar”. Pesquisando sobre o significado da palavra, o conceito físico pareceu bastante oportuno: “Colisão é um evento no qual dois ou mais corpos em movimento exercem forças relativamente fortes entre si, por um tempo relativamente curto”. Sendo a colisão “elástica”, aquela em que os corpos conservam sua energia após o choque, a colisão inelástica, mais comum e também mais interessante para a analogia buscada aqui, é aquela em que parte da energia dos corpos é alterada para outras formas de energia, incluindo uma parte da energia de cada corpo que será incorporada como energia interna dos outros corpos participantes da colisão.