Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

Sujeitos ambulantes, sujeição e invenção
 
Seria possível então falar de uma categoria subjetiva de ambulantes urbanos? Catadores, vendedores ambulantes, moradores de rua, “bicicleteiros”[5], ou o mais simples pedestre. Um conjunto heteróclito de sujeitos apresentados aqui por arquétipos comuns, mas que a partir de uma aproximação revelam uma miríade de diferenças e singularidades. Pode ser válido recorrer à noção de sujeito como proposta por Giorgio Agamben:

Sujeito seria o que resulta do corpo-a-corpo, da relação entre os homens e os dispositivos. Não há dispositivo sem processo de subjetivação. Sujeito teria então um duplo significado: de uma parte, é o que leva um indivíduo a ligar-se e a assumir uma individualidade, uma singularidade; mas também significa, sujeitamento a um poder externo. (AGAMBEN, 2009, p. 40-41)
Em sentido complementar, Ana Clara Torres Ribeiro (2010) traz a figura do “sujeito corporificado”, apontando para a necessidade de se superar leituras reprodutoras de um discurso reificador da existência e das práticas sociais na cidade. Em sua experiência singular o “sujeito corporificado”, está constantemente envolvido em jogos onde estão implicados “a fala e o gesto, a acomodação e a insubordinação, a manipulação de classificações sociais e a ação que se desenvolve nas fronteiras entre o visível e o invisível” (RIBEIRO, 2010, p. 31). Para a autora, no momento em que desafia as formas de controle e a burocratização da existência, o sujeito corporificado “alcança o direito à definição de sua forma de aparecer e acontecer.” Transforma-se a si mesmo em “acontecimento, onde e quando são esperados o seu silêncio e o apagamento de sua individualidade.” (Ibid., p. 32)
Movimentando-se entre sujeição e individuação, visibilidade e invisibilidade, os sujeitos ambulantes e corporificados nas ruas desviam e atualizam usos e significados da terra, convertendo-a em suporte para atividades múltiplas, ainda que conflitantes[6].


[5] Por “bicicleteiros” refiro-me ao ciclista comum, que se desloca por bicicleta em seu cotidiano disputando espaço nas ruas com outros veículos, diferente do ciclista “atleta” ou “de fim de semana” que busca ciclovias, parques e orlas para treinar ou fazer esporte. É claro que não há uma distinção precisa entre “categorias” de ciclistas. Assim, o ciclista atleta pode também ser bicicleteiro, mas nem todo bicicleteiro é atleta. Grande parte dos bicicleteiros das grandes cidades são indivíduos de renda baixa, com bicicletas simples, que utilizam este veículo como alternativa ao caro e ineficiente transporte público. Talvez parte deles deseje um automóvel. Cresce também o número de bicicleteiros de renda média e alta, que escolhem a bicicleta como meio de transporte, mesmo possuindo ou podendo adquirir um automóvel, defendendo a legitimidade deste modo alternativo de deslocamento.
[6] Considerando-se o atual grau de dominação da circulação automotiva sobre o espaço das ruas, podemos pensar que os automóveis particulares convertem-se em “lotes em movimento” acarretando uma privatização das ruas e subtração de espaço ao âmbito público, o que intensifica ainda mais o regime de propriedade da terra urbana.