Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

contínuas, pagamentos de propinas à corrupção estatal, submissão a redes de poder e controle de territórios por máfias locais, etc. que colocam esta atividade num patamar de exigência de capital já elevado, constituindo uma posição intermediária entre um comércio fixo legalizado e um comércio ambulante (de fato). Emergem aí as artimanhas desses sujeitos ambulantes que desviam desses dispositivos com seu saber-fazer que sabe aproveitar as ocasiões, lançar mão de disfarces e quando necessário ganhar certa invisibilidade.
 
Habitar a sarjeta
 
Até aqui associamos as práticas de sujeitos ambulantes eminentemente ao espaço das ruas. Mas seria possível considerar, no âmbito da cidade nômade, a constituição de um espaço singular, pertencente ao espaço da rua, mas diretamente relacionado com as práticas ambulantes. Ou seja, não seria um espaço que exista de forma autônoma, mas que se constituiria a partir de um tipo particular de uso das ruas. Podemos chamá-lo de espaço da sarjeta. Ressignificar a sarjeta enquanto espaço de uso, exige que esta se desvincule de seu significado puramente funcional, isto é, um elemento físico de drenagem urbana, e se aproxime daquele significado simbólico de expressões populares como “cair na sarjeta” ou “rolar na sarjeta”. O que propomos é uma inversão de sentidos, ou que se preencham essas expressões com novos significados.
É no intermezzo entre a calçada dos pedestres e a pista dos veículos, mas sendo parte também desses espaços, que a experiência espacial da sarjeta se efetiva. E talvez seja pela expansão do espaço da sarjeta, um espaço elástico, que os sujeitos ambulantes carreguem consigo a capacidade de ativar estados de rua por onde passam. É através deste espaço, construído passo a passo em trajetórias desviantes, que atividades marginais, opacas e lentas são capazes de se infiltrar, mesmo nos espaços mais luminosos das cidades, construindo efêmeras, mas, insistentes rugosidades humanas que, no exercício de uma política da rua, promovem desacelerações nos fluxos hegemônicos do capital e do progresso.
Diferentemente dos modelos de cidade e de ruas promulgados pelas mais badaladas vertentes do planejamento urbano contemporâneo, a sarjeta talvez se aproxime mais à imagem de um vírus, ao mesmo tempo escapando, penetrando e se proliferando através das porosidades existentes naquele ponto de encontro das práticas