Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

imagens, frequentemente pré-fabricadas, é sua perdição. [...] Os homens lentos, por seu turno, para quem essas imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações. (SANTOS, 2008, p. 80)
No entanto, as políticas de subjetivação mercantis vêm conquistando novos territórios, penetrando os espaços opacos e já não distinguem mais classes. Não se pode mais dizer que a “comunhão com as imagens” seja privilégio dos que têm poder financeiro. Por vezes, a força de modelização é até mais cruel com os homens lentos de Santos, que terminam por sujeitar-se à alienação das imagens e à escravidão do crédito para alcançar também a modernidade prometida. Talvez seja preciso, na atual complexidade dos processos contemporâneos, desvincular os homens lentos de uma estratificação econômica e pensar a lentidão como prática de uma cultura menor[8], no sentido da elaboração de processos de singularização em meio a dispositivos de sujeição generalizantes.
Seria o caso de pensar numa coexistência de vetores na economia coletiva dos desejos. Não se trata de dissipar diferenças entre estratos sociais, mas de se pensar que entre uns e outros, na elaboração de suas subjetividades há processos de sujeição e de singularização, vontade de lentidão e vontade de aceleração. O que nos leva a pensar que praticando a lentidão, sujeitos ambulantes possuem acima de tudo uma pulsão desviante. Desviam de objetos e de fluxos, de dispositivos objetivos, mas também subjetivos e, ao contrário de uma velocidade movida à tecnologia, engajam-se em movimentos apoiados por técnicas alternativas, geralmente segundo a lógica da gambiarra. Com esse instrumental, encontram uma autonomia relativa para criar suas próprias entradas e saídas no jogo de forças do espaço urbano.
 
Sobre a prática do desvio
 
Pensemos então: Sujeitos ambulantes realizam suas atividades em movimento. Este movimento é qualificado numa temporalidade que não é a da velocidade, mas da


[8] Aqui preferimos utilizar o termo “menor” ao invés de “popular”, que está por demais associado às expressões regionais e vernáculas, sendo inclusive alvo de políticas públicas específicas. A ideia de menor aqui não se refere a uma questão de escala (ainda que às vezes também se aplique), mas aproxima-se do sentido colocado por Deleuze e Guattari quando falam da literatura de Kafka como uma literatura menor: “Uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior” (DELEUZE ; GUATTARI, 1977, p. 25).