Revista Rua


Sujeitos ambulantes: pistas para uma nomadologia urbana
Wandering subjects: clues to an urban nomadology

Gabriel Schvarsberg

se de uma expressão que pode se referir a um campo de pesquisa – a cidade nômade; a um modo de pesquisar – uma cartografia do movimento que co-implica tempo e espaço; e também a um tipo de prática cotidiana que instrumentaliza o movimento a seu favor. Seria o caso de falar em operações – operações práticas, operações teorizantes – que em determinados momentos se confundem, coabitando uma mesma experiência etnológica. São operações fluidas de contaminação onde uma arte de fazer do cotidiano transmuta-se em uma arte de fazer teoria (CERTEAU, 2009).
O que se apresenta a seguir constitui um conjunto de reflexões, na forma de proposições abertas, para a prática de uma nomadologia urbana. De modo algum pretendemos esgotar o assunto, mas apenas sugerir alguns tópicos considerados relevantes para um esboço inicial sobre esse modo de operar na cidade. Não há, pois, qualquer tentativa de delinear seus contornos ou estabelecer seus limites, mas simplesmente destacar vetores para uma crítica do pensamento urbano que emergiram das pistas deixadas pelo rastro do acoplamento cartográfico a alguns desses sujeitos ambulantes em seus desdobramentos teórico-metodológicos[3].
 
Inversões necessárias (ou sobre como olhar a cidade nômade)
As limitações de abordagens do urbano pela lente da cidade sedentária se evidenciam quando o espaço em questão é a rua. Atividades facilmente encontradas em ruas centrais[4] como a dos camelôs vendendo produtos ordinários e baratos, bancas de alimentos ou pontos de jogo do bicho, e outras que, por estarem sempre em movimento, são menos visíveis como as de catadores e vendedores ambulantes, mostram uma cidade “informal” contaminando a cidade “formal”, produzindo espaços impuros, difíceis de categorizar segundo uma única lógica. Vemos não uma cidade estanque cheia de partições, limites e segregações, mas uma cidade em movimento com estratos superpostos em variadas velocidades e intensidades, onde se dissolvem as


[3] Em virtude do objetivo do artigo, optei por não inserir no texto narrativas empíricas, denominadas no âmbito do estudo de narrativas cartográficas, realizadas a partir do encontro do pesquisador com sujeitos ambulantes nas ruas. Ainda assim, o trabalho de campo permeia todo o texto, como que povoando de modo oculto suas entrelinhas. As narrativas cartográficas podem ser lidas na dissertação de mestrado “Rua de contramão: o movimento como desvio na cidade e no urbanismo”, ver Schvarsberg (2011). Trechos videográficos das narrativas cartográficas podem ser vistos no sítio <http://ruadecontramao.wordpress.com/>.
[4] São consideradas aqui tanto as ruas de centros tradicionais (de comércios e serviços), quanto ruas de bairros residenciais centrais – de alta densidade, concentradores das rendas média e alta e dotados de infraestrutura e acesso a bens, serviços e equipamentos públicos.