Revista Rua


Sujeitos e sentidos no espaço urbano: o escrito "dá o ar da sua graça"
(Subject and meanings in urban space: writing shows up)

Aline Torrizella Périgo, Juliano Ricci Jacopini, Noemi Lemes, Soraya Maria Romano Pacífico, Lucília Maria Sousa Romão

discursos”. Ou seja, para ler e interpretar a propaganda do sorvete em cartaz, é preciso considerar as redes de memória pelas quais os diferentes sujeitos são afetados, inseridos em diferentes contextos sócio-históricos, produzindo sentidos também diversos que não são os mesmos para todos, certamente. Pela escuta dos sujeitos que participaram desta pesquisa, observamos sentidos interditados, sentidos repetidos e outros compreendidos como naturais e evidentes, o que, como sabemos, é um efeito da ideologia. Para a Análise do Discurso, a ideologia é um mecanismo de naturalização do sentido que cria o efeito de evidência, como se o sentido já estivesse pronto e acabado, como se a interpretação só pudesse ser uma, como se houvesse uma naturalidade nos modos de dizer.
Embora a propaganda já estivesse na rodoviária há algum tempo, muitos dos sujeitos ouvidos – que convivem com a mesma por terem na rodoviária seu local de trabalho –, passam diariamente por esse portador de texto sem se sentirem afetados por ele, sem nenhuma inquietação que os faça desconfiar ou duvidar das palavras ali inscritas. Esses sujeitos são, em sua grande maioria, alfabetizados e, por isso, sabem ler a propaganda, mas não se sentem autorizados a interpretar os sentidos construídos no texto, como podemos observar nos seguintes recortes dos discursos por eles produzidos. Os recortes, aqui, não devem ser compreendidos enquanto estrutura linear, mas, sim, como pedaços, “nacos” do discurso, onde estão materializados lingüisticamente os indícios de um modo de funcionamento discursivo.
 
“Isso aí é pro pessoal não entender mesmo, não é pra entender.”
“Eu acho meio complexo, propaganda tem que ser uma coisa mais direta.”
“Isso daí num é feito pra entender não, principalmente pro povo que passa nessa rodoviária aí.”
 
Nota-se que as falas e, principalmente, as hesitações que as antecederam, sugerem um efeito de impotência dos sujeitos e de naturalização dos sentidos (“Isso daí num é feito pra entender não”) diante de um texto, especialmente pelo fato de verem-se diante da necessidade de exercerem gestos de interpretação. Causa-nos estranhamento o uso de “principalmente pro povo que passa nessa rodoviária aí”, em que o sujeito marca o seu distanciamento em relação ao “povo”, como se ele estivesse em outra posição discursiva diferente daquela em que o povo está, pois se ele se incluísse no povo, talvez usasse “a gente”. Ao usar “povo”, parece estar falando do outro/OUTRO e